MÁRIO DE ANDRADE
(1893-1945)
(1893-1945)
Mário Raul de Morais Andrade nasceu e morreu em São Paulo, deixando uma valiosa obra literária em que se destacam Paulicéia Desvairada (1922), Losango Cáqui (1926) e Clã do Jabuti (1927). Sua obra prima é o romance Macunaíma , um clássico da literatura brasileira com adaptações de grande impacto também no teatro e no cinema.
“Criador
de novos rumos, realizou, em poesia, experiências de ritmos e metros,
valendo-se, para tanto, de todas as sugestões que a linguagem podia
oferecer, e, nesta trilha, valorizou a fala brasileira, que transformou
no seu principal instrumento de criação, num esforço de nobilitá-la,
de lhe dar consistência e forma. Procurava uma “estilização culta da linguagem popular da roça como da cidade, do passado e o presente” — como explicava. “
MÁRIO DA SILVA BRITO , em “Poesia do Modernismo”. Rio de Janeiro: Civilização Brasleira, 1968
MÁRIO DA SILVA BRITO , em “Poesia do Modernismo”. Rio de Janeiro: Civilização Brasleira, 1968
“Não sei que impressão teria recebido da Paulicéia [desvairada],
se a houvesse lido em vez de a ouvir da boca do poeta. Mário dizia
admiravelmente os seus poemas, com que indiretamente os explicava, em
suma, convencia.” MANUEL BANDEIRA, “Itinerário de Pasárgada”, 3ª ed.,
p. 69.
Menino, tu me recordas
A minha presença em mim!
M. de A.
A minha presença em mim!
M. de A.
Ode ao BurguêsEu insulto o burguês! O burguês-níquelO burguês-burguês!A digestão bem-feita de São Paulo!O homem-curva! O homem-nádegas!O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!Eu insulto as aristocracias cautelosas!Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!Que vivem dentro de muros sem pulos,e gemem sangue de alguns mil-réis fracospara dizerem que as filhas da senhora falam o francêse tocam os "Printemps" com as unhas!Eu insulto o burguês-funesto!O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!Fora os que algarismam os amanhãs!Olha a vida dos nossos setembros!Fará Sol? Choverá? Arlequinal!Mas à chuva dos rosaiso êxtase fará sempre Sol!Morte à gordura!Morte às adiposidades cerebrais!Morte ao burguês-mensal!Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?— Um colar... — Conto e quinhentos!!!Más nós morremos de fome!"Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!Oh! purée de batatas morais!Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!Ódio aos temperamentos regulares!Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!Ódio à soma! Ódio aos secos e molhadosÓdio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,sempiternamente as mesmices convencionais!De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!Dois a dois! Primeira posição! Marcha!Todos para a Central do meu rancor inebriante!Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!Morte ao burguês de giolhos,cheirando religião e que não crê em Deus!Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!Ódio fundamento, sem perdão!Fora! Fu! Fora o bom burguês!...(Paulicéia Desvairada,1922)
Oda al Burgués
¡Yo insulto al burgués! ¡Al burgués-plata,
al burgués-burgués!
¡La digestión bien hecha de São Paulo!
¡Al hombre-panza!, ¡al hombre-culón!
¡Al hombre que siendo francés, brasileño, italiano,
es siempre un cauteloso poco-a-poco!
¡Yo insulto a las aristocracias cautelosas!
¡A los barones bandidos!, !a los condes Juanes!, a los duques rebuznos!
que viven dentro de muros sin saltos;
y gimen sangre de unos cuantos duros débiles
para decir que las hijas de su señora hablan francés
y tocan el “Printemps” aporreando el piano!
¡Yo insulto al burgués-funesto!
¡Al indigesto puchero con tocino, señor de las tradiciones!
¡Fuera los que guarisman las mañanas!
¡Mira la vida de nuestros setiembres!
¿Hará Sol?
Pero a la lluvia de los rosales,
¡el éxtasis dará siempre Sol!
¡Muerte a la gordura!
¡Muerte a las adiposidades cerebrales!
¡Muerte al burgués-mensual!,
¡al burgués-cine!, ¡al burgués-coche!
¡Panadería Suiza! ¡Muerte viva al Adriano!
“-Ay, hija, ¿qué te regalaré para tu cumpleaños?
-Un collar… -¡¡¡Mil quinientos!!!
¡Pero nosotros nos morimos de hambre!”
¡Come! ¡Cómete a ti mismo!, oh, gelatina pasmada!
!Oh! !Puré de patatas morales!
!Oh!, !pelos en las narices!
!Odio a los temp
¡Odio a los relojes de carne y hueso!
¡Odio a las cuentas! !Odio a los colmados!
¡Odio a los sin desfallecimientos ni arrepentimientos,
sempiternamente a las rutinas convencionales!
Con las manos atrás!
¡Dos a dos! !Posición primera! ¡ Marcha!
¡Todos para el Central de mi rencor embriagante!
¡Odio e insulto!
¡Muerte al burgués de hinojos,
en olor de religión y que no cree en Diós!
¡Odio rojo!
¡Odio fundamento, sin perdón!
¡Fuera!
Eu Sou Trezentos...Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,As sensações renascem de si mesmas sem repouso,Ôh espelhos, ôh ! Pirineus ! Ôh caiçaras !Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro !Abraço no meu leito as milhores palavras,E os suspiros que dou são violinos alheios;Eu piso a terra como quem descobre a furtoNas esquinas, nos táxis,nas camarinhas seus próprios beijos !Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,Mas um dia afinal toparei comigo...Tenhamos paciência, andorinhas curtas,Só o esquecimento é que condensa,E então minha alma servirá de abrigo.
Soy trecientos...
Yo soy trescientos, soy trescientos y cincuenta,
La sensaciones renacen de sí mismas sin reposo,
¡Oh, espejos, oh! ¡Pirenos! ¡Oh, caizaras!
Si muerte un dios, iré a Piauí a buscar otro!
¡Abrazo en mi lecho las mejores palabras,
Y los suspiros que doy son violines ajenos;
Piso la tierra, como quien descubre a hurtadillas
En las esquinas, en los taxis, en las alcobas sus propios besos!
Yo soy trescientos, soy trescientos y cincuenta,
mas por fin un día toparé conmigo…
Tengamos paciencia, golondrinas breves,
Sólo el olvido es lo que condensa,
Y entonces mi alma servirá de abrigo.