terça-feira, 31 de julho de 2012

ADÉLIA PRADO

ADÉLIA PRADO

Adélia Prado (1935) surge en Divinópolis, interior de Minas Gerais, con la publicación de Bagaje, en 1976.  En esta y en toda su obra siguiente es flagrante una percepción: "respirar es dificil" (sic). En original vuelo solitario, la poesía de Adélia se apropia de epifanías, profana, provoca, gime, siempre bajo el yugo severo de la palabra sagrada.

Lo que atrae en Adélia es que cuanto más crece su obra en calidad y extensión, más comprimido se vuelve su campo de observación. Es una poesia que habla del detalle ínfimo, de gestos, del dulce que se hace y se come de la olla, de pequeños (y grandes) deseos inconfesados, de sentimientos repetitivos, anti-heroicos. En fin, una metafísica única del universo doméstico.  Heloisa Buarque de Hollanda



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MISSA DAS 10

Frei Jácomo prega e ninguém entende.
Mas fala com piedade, para ele mesmo
e tem mania de orar pelos paroquianos.
As mulheres que depois vão aos clubes,
os mocos ricos de costumes piedosos,
os homens que prevaricam um pouco em seus negócios
gostam todos de assistir a missa de frei Jácomo,
povoada de exemplos, de vida de santos,
da certeza marota de que ao final de tudo
urna confissão "in extremis" garantirá o paraíso.
Ninguém vê o Cordeiro degolado na mesa,
o sangue sobre as toalhas,
seu lancinante grito,
ninguém.
Nem frei Jácomo.

                   (De  O Pelicano, 1987)


PRANTO PARA COMOVER JONATHAN

Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.

                   (De  O Pelicano, 1987)


Trégua          
        
Hoje estou velha como quero ficar.
Sem nenhuma estridência.
Dei  os desejos todos por memória
e rasa xícara de chá.        


Endecha

Embora a velha roseira insista neste agosto e
confirmem o recomeço estas mulheres grávidas,

eu sofro de um cansaço, intermitente como certas febres.

Me acontece lavar os cabelos e ir secá-los ao sol,
desavisada. Ocorre até que eu cante.

Mas pousa na canção a negra ave e eu desafino rouca,
em descompasso, uma perna mais corta,

a ausência ocupando todos os meus cômodos,
a lembrança endurecida no cristal
de uma pedra na uretra.


O GUARDA-CHUVA PRETO

Esquecido na mesa,
como cabo voltado para cima
e as bordas arrepanhadas,
é como seu dono vestido,
composto no seu caixão.
Não desdobra a dobradiça,
não pousa no braço grave
do que, sendo seu patrão,
foi pra debaixo da terra.
Ele, vai para o porão.
Existe um retrato antigo
em que posou aberto,
com o senhor moço e sem óculos.
Guarda-chuva, guarda-sol,
guarda-memória pungente
de tudo que foi em nós
um pouco ridículo e inocente.
Guarda-vida, arquivo preto,
cão de luto, c]ao jazente.

         (De O coração disparado,1987

ROÇA

No mesmo prato
o menino, o cachorro e o gato.
Come a infância do mundo.
         (De O coração disparado,1987

VITRAL

Uma igreja voltada para o norte.
À sua esquerda um barranco, a estrada de ferro.
O sol, a mais de meio caminho para oeste.
Tem uns meninos na sombra.
Eu estou lá com um pé apoiado sobre o dedo grande,
a mão que passei no cabelo,
a um quarto de seu caminho até a coxa,
onde vai bater e voltar, envergonhado passo de balé.
Tudo pulsando à revelia de mim,
bom como um ingurgitamento não-provocado do sexo.
A pura existência.
         (De O coração disparado,1987

COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado para mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
Já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

                   De Bagagem (1976)


MULHER QUERENDO SER BOA

Me toldam horas de cinza
Rachadas de imprecação.
Ó Deus, não me humilhe mais
com esta coceira no púbis.
Responde-me sobre os mortos,
se mamam,
nesta lua visível em pleno dia,
do seu leite de sonho.


FIBRILAÇÕES

Tanto faz
funeral ou festim
tudo é desejo
que percute em mim.
Ó coração incansável a ressonância das coisas,
amo, te amo, te amo,
assim triste, ó mundo,
ó homem tão belo que me paralisa.
Te amo, te amo.
E uma língua só,
um só ouvido, não absoluto.
Te amo.
Certa erva do campo tem as folhas ásperas
recobertas de pelos,
te amo, digo desesperada
de que outra palavra venha em meu socorro.
A relva estremece, 
o amor para ela é aragem.



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