segunda-feira, 9 de julho de 2012

A POESIA DE WALY SALOMÃO


WALY SALOMÃO
(1944-2003)
Baiano de Jequié, Wally esteve ligado aos Tropicalistas Caetano Velloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, Gal Costa mas não se considerava do grupo.
 
O primeiro livro de poemas, Me segura que eu vou dar um troço, foi lançado em 1971. Os poemas presentes no livro de estréia foram escritos durante a temporada na prisão. Outros livros do autor: Gigolô de Bibelôs, Surrupiador de Souvenirs, Algaravias, Lábia e Tarifa de Embarque, e a coletânea O Mel do Melhor.
 
Além de poeta, Waly Salomão também era letrista e produtor cultural. Muito irreverente, declamava poemas em programa da TVE e participava de filmes.  Como letrista, colaborou com muitos  artistas, como Caetano Veloso (Talismã), Lulu Santos (Assaltaram a Gramática, sucesso com os Paralamas do Sucesso), Adriana Calcanhotto (Pista de Dança), entre outros. 
 
Era muito divertido e sagaz. Estive com ele pouco antes de sua morte, quando ocupava um cargo de direção no Ministério da Cultura do Ministro Gilberto Gil e discutíamos projetos de divulgação do livro e da leitura. Na oportunidade escreveu uma dedicatória num de seus livros em que me chamava de “caótico neoconcreto”... A partir daí assumi a minha oximoridade...     Antonio Miranda
 

"The guiding word interfaces is also a homage to a unique creative writer and prematurely departed cultural agitator, Waly Salomão (1943-2003), who bridged the counterculture of the early i970s and the artistically polymorphous initial years of the new millennium. In one of the poems of his last (posthumous) book, entitled "Interfaces," he links our classical heritage to the age of hypertext and Web portals, alliteratively designating himself as "o demiurgo / o domador / o designer / o diagramador" (Pescados vivos, 27) [the demiurge / tamer-trainer / designer / layout artist]. The concluding three-item flourish of the book in which Salomão´s short lyric appears represents the hemispheric spirit underlying the present criticai study. On facing pages (74-75) the Brazilian poet reproduces a marked-up paragraph from Ralph Waldo Emerson´s essay "The Poet" and the most celebrated universal linguistic truth at the center of that piece: "Language is fossil poetry." The second item is a translation from the Spanish of a celestial-toned text by Chilean avant-garde poet Vicente Huidobro, which ends in "silence." The third item, on the final page (79) of Salomão´s last book, is a translation of Walt Whitman´s "Once I Passed through a Populous City," which celebrates togetherness, memory, and wordless farewell. Emotion, engagement, and multilingual geography remain as an open message in a lyrical design left by an ecumenical artist who at the time of his death was working for the pop-star minister of culture, Afro-Brazilian singer-songwriter and community activist Gilberto Gil, in the capacity of national secretary of books and reading."
From:   PERRONE, Charles A.  Brazil, Lyric, and the Americas.  Gainesville, Fl.: University Press of  Florida, 2010.   250 p      ISBN 978-0-813903421-8

 


NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA
NA MOLDURA DOS SÉCULOS
 
NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA NA MOLDURA DOS SÉCULOS
SUGO ESPIRAIS DAS NUVENS DE CIGARRO QUE FUMO
SOFRO BAFORADAS-CARAMUJO POR ENTRE VOLUTAS DO UNIVERSO
EU, PEQUENINO GRÃO DE AREIA-POETA, PLASMO RIMA ALITERAÇÃO
                                                                             METÁFORA OXIMORO VERSO
PASTO PALAVRA: QUINQUILHARIA NINHARIA PALÁCIO DO NENHURES
                                                                                                            Ó CASTELO
DE VENTO
                           PASTEL DE BRISA
                                                                              MONTE DE GANGA BRUTA
ESTUÁRIO DE BUGINGANGA                            NONADA
EM CONFRONTO COM MANADAS MIRÍADES D´ESTRELAS ESPOUCADAS
SOBRE OS SETE DIFERENTES MARES QUE SETE ESPELHOS SÃO PARA
                                                                                                            ALGUM MAR
ABSOLUTO
(ROMA E BAALBECK E BAGDAD E BABILÔNIA E BABEL SIDERAL)
E É NOSSO AMOR TÃO DIMINUTO
                       LAMPEJO DE SEGUNDO
                                                                      RELÂMPAGO DISSOLUTO
FILETE DUM RIO MINÚSCULO
MICROSCÓPIO LEITO
AMOR .....................................................NOSSO SÉCULO:
BURACO NEGRO SORVEDOURO DE VULTO AROMA LUZ
BAGAÇOS DE ROLHA BOLHA BORRA PORRA PÓ
BEBO VINHO PRECIOSO COM MOSQUITOS DENTRO
                                                                  MURIÇOCA MARUIM POTÓ
 
(de Gigolô de bibelôs)

    ARS POÉTICA /OPERAÇÃO LIMPEZA
 
Assi me tem repartido extremos, que não entendo...
                                                         (Sá de Miranda)
 
I-
SAUDADE é uma palavra
Da língua portuguesa
A cujo enxurro
Sou sempre avesso
SAUDADE é uma palavra
A ser banida
Do uso corrente
Da expressão coloquial
Da assembléia constituinte
Do dicionário
Da onomástica
Do epistolário
Da inscrição tumular
Da carta geográfica
Da canção popular
Da fantasmática do corpo
Do mapa da afeição
Da praia do poema
Pra não depositar
Aluvião
Aqui nesta ribeira.
 
II-
Súbito
Sub-reptícia sucurijuba
A reprimida resplandece
Se meta-formoseia
Se mata
O q parecia pau de braúna
Quiçá pedra de breu
Quiçá pedra de breu
                                     CINTILA
Re-nova cobra rompe o ovo
Da casca velha
                                              SIBILA
 
III-
SAUDADE é uma palavra
O sol da idade e o sal das lágrima
 
(da Revista Imã)


O CÓLERA E A FEBRE
(PASTICHE PÁLIDO E MAL CESURADO DE CESARIO VERDE)
 
UM BODE IMUNDO IRROMPE
(ÍGNEA FLECHA? DARDO EM FOGO? BÓLIDE NO LUSCO-FUSCO?)
EM MÓRBIDA TROPELIA EM DESABRIDA CORRERIA
E PERANTE MINHA PESSOA             A FERA
                                                                                ESTACA
JÁ DENTRO DE MIM SE ESMERA
NUM ENRODILHADO TORCIDO E IGNOTO JOGO MALABAR.
PRAIA FÉERIE COOPER JOGGING CORPO AO SOL TORSO AO MAR;
MINHA PORÇÃO NA PARTILHA:
LYCOPODIUM TÉDIO PORRE TOSSE TORPOR
HOMEOPÁTICO E PLUVIOSO HORROR.
 
Nas nossas ruas,
ao anoitecer.
 
(De Armarinho de miudezas)


EXTERIOR
 
Por que a poesia tem que se confinar
às paredes de dentro da vulva do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
                              da greta
                              da gruta
e se espraiar em pleno grude
                      além da grade
do sol nascido quadrado?
 
Por que a poesia tem que se sustentar
de pé, cartesiana milícia enfileirada,
obediente filha da pauta?
 
Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
-CARPE DIEM!-
fora da zona da página?
 
Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
                   polimórfica e perversa,
não poder travestir-se
                   com os clitóris e os balangandãs da lira?
 
(Líbia)

    AMANTE DA ALGAZARRA
 
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela!!
Todo mundo sabe, sou um lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.
 
Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro.
Vixe!!
Enquanto caminha a pé, pedestre – peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.
 
Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.
 
(De Tarifa de Embarque)

ARENGA DA AGONIA
             para Duncan Lindsay

você não possui casa alguma de onde sair,
você não pode voltar para casa nenhuma,
o prólogo acabou e a mácula timbra a imagística:
                            o beco sem saída não constitui mais
                            mera figura de retórica.
você é o beco sem saída completo:
                                                        corpóreo,
encorpado, e, incorporado.
você não acha mais bainha onde encaixar sua faca.
acabou-se o que era doce, o confete foi-se,
está findo o efeito placebo.
queimado o filme e desmoronada a encosta
e esgotada a pilha da prosopopéia.
eia, pois, advogada nossa,
quando esse atrapalho doloroso vai passar?
no dia da eterna noite escura de são nunca.
                                      
(Extraído de LÁBIA, 1998

LIVRO DE CONTOS
(ALMA LÍRICA PAQUIDÉRMICA)
Alma emputecida
Sombra esquisita
Se esquiva
Entre
Laços de Família
         De Gigolô de bibelôs (1983)

SALA SUNYATA
Ó, tabula rasa.
Nada vezes nada, noves fora nada.
Sol nulo dos dias vãos. Lua nula das noites vãs.
Eis que atingi o ponto Nadir.
Se todas as coisas nos reduzem a
                                               ZERO
é daí do
                                               ZERO

                                               que temos que partir.

         De Lábia (1998)
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Tradução de Adolfo Montejo Navas

LIBRO DE CUENTOS
(ALMA LÍRICA PAQUIDÉRMICA)

Alma encabronada
Sombra miserable
Se esquiva
Entre
Lazos de Familia

De Gigolô de bibelôs (1983)


ARS POÉTICA
OPERACIÓN LIMPIEZA

         “Así me vienen repartiendo extremos, que no entiendo...»
                                               Sá de Miranda

I - SAUDADE es una palabra
De la lengua portuguesa
A cuya abundancia
Soy siempre adverso
SAUDADE es una palabra
A ser borrada
Del uso corriente
De la expresión coloquial
De la asamblea constituyente
Del diccionario
De la onomástica
Del epistolario
De la inscripción lapidaria
De la carta geográfica
De la canción popular
De la fantasmagoría del cuerpo

Del mapa de la afectación
De la playa del poema
Para no depositar
Aluvión
Aquí
En esta ribera.

II - De repente
Subrepticia cobra sucuri*
La reprimida resplandece
Se metamorfosea
Se mata
Lo que parecía palo de brauna**
Quizá piedra de oscuro
Quizá piedra de oscuro
                            CENTELLEA
Re-nueva cobra rompe el huevo
De la cascara vieja
                            SIBILA

III - SAUDADE es una palabra
El sol de la edad y la sal de las lágrimas.

De Armarínho de miudezas (1993)


* Variedad de cobra gigante del Brasil.
** Árbol leguminoso del Brasil.


SALA SUNYATA

Oh, tábula rasa.
Nada veces nada, nueves fueran nada.
Sol nulo de los días vanos. Luna nula de las noches vanas.

He aquí que alcancé el punto Nadir.
Si todas las cosas nos reducen a
                                               CERO
es de ahí del



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