segunda-feira, 22 de junho de 2009

Entrevista

SAMUEL CELESTINO: “FICARÃO OS MELHORES, POIS JORNALISMO É VOCAÇÃO”
(Ricardo Ribeiro-Pimenta na Muqueca)

junho 20th, 2009

Samuel Celestino já pensou em ser médico, engenheiro civil, formou-se em direito, mas não teve jeito (perdão pela rima): o jornalismo, como ele mesmo diz, o arrebatou. Este itabunense que cursou o primário na Escola Lúcia Oliveira e vive em Salvador desde os dez anos de idade, é uma referência no jornalismo político, tema ao qual passou a se dedicar em 1968, três anos após estrear em uma redação.

Na sexta-feira (19), Celestino , que é presidente da Associação Baiana de Imprensa, esteve em Ilhéus para dar posse a Ramiro Aquino, o novo presidente da seccional sul-baiana da ABI. Na sede da Academia de Letras, onde ocorreu a cerimônia, o jornalista falou com exclusividade ao Pimenta na Muqueca sobre temas polêmicos, como a recente decisão do STF, que eliminou a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista.

A conversa também abordou a qualidade dos cursos de jornalismo e, obviamente, a política baiana, em plena fase de reagrupamento de ramos que pertenceram à “árvore” do carlismo. Mas, para Celestino, o modelo do velho cacique não tem mais volta. Está morto e enterrado. As fotos são de autoria do jornalista Luiz Conceição.

Abaixo, a entrevista:

Você afirmou considerar um retrocesso a decisão do STF, que derrubou a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Mas não seria difícil conciliar tal exigência com a enorme liberdade de comunicação que existe hoje, proporcionada sobretudo pela internet?

Embora eu considere a decisão um retrocesso, esse é um assunto polêmico. Por que eu considero um retrocesso? Porque a Associação Baiana de Imprensa sempre defendeu a necessidade do diploma, a Fenaj sempre defendeu, o Sindicato dos Jornalistas também, no país inteiro. A escola de jornalismo, no princípio, foi uma imposição da ditadura militar e depois passou a ser uma necessidade.

Por que?

Porque os jornais eram invadidos por pessoas que não tinham nenhuma formação, que passavam de forma diletante pelo jornalismo, enquanto estudavam medicina, direito… Passavam três, quatro anos e saíam da profissão, desfalcavam o jornal, não criavam consciência de classe. O que a necessidade do diploma favoreceu foi a criação de uma consciência dos jornalistas brasileiros, que começaram, a partir daí, a defender determinados princípios absolutamente essenciais à nossa profissão, um dos quais o código de ética.

Mas o código de ética não é seguido por todos.

Embora o código de ética não seja seguido em muitos casos, ele de qualquer maneira é um avanço. A exigência da formação implicou também em uma necessidade dos jornais e dos veículos de comunicação de maneira geral tratarem melhor, não somente em termos salariais, como dar uma atenção privilegiada aos seus recursos humanos criados na redação.
Ocorre que a exigência do diploma de jornalista não existe na esmagadora maioria dos países…

Somente Brasil e Chile exigiam o diploma, por isso a decisão do STF já era esperada desde que houve a queda da Lei de Imprensa, implantada em 1967. A exigência do diploma veio em 1969, dois anos depois da Lei de Imprensa. Quando os militares estabeleceram a exigência foi para limitar a ação jornalística, de maneira que eles pudessem ter um controle do processo, porque não queriam um estado democrático, queriam efetivamente um estado ditatorial.

O que vai acontecer a partir de agora?

Nós vivemos uma revolução nas comunicações, com a blogosfera, os sites, enfim. São ferramentas de comunicação, que não param de avançar e se modificar. Nesse processo, não se pode impedir que pessoas exerçam a profissão de jornalista, utilizando esses instrumentos que a web coloca à disposição. O que vai acontecer diante disso? A decisão do Supremo é definitiva, a menos que se faça uma mudança na Constituição, que precisa de uma dificílima maioria privilegiada de três quintos, com dois turnos de votação na Câmara e no Senado. Isso não vai acontecer.

Mas já existem tentativas de restaurar a exigência do diploma…
O deputado Miro Teixeira, do Rio de Janeiro, está dizendo que vai entrar com um projeto, e o ministro das Comunicações Hélio Costa também, mas isso é no primeiro momento. O que vai acontecer é o seguinte: vão ficar os melhores, porque o jornalismo em si, na verdade, é uma vocação. Você sai da escola de comunicação e não sabe nada, e às vezes a pessoa que não tem a formação possui um talento extraordinário para exercer a profissão de jornalista. O que eu acho necessário é, pelo menos, um curso universitário. Não se pode pegar um menino do segundo grau para fazer jornalismo, pois é preciso ter um conhecimento geral em termos de cultura e conhecimento de princípios éticos, saber até onde chega a liberdade, a responsabilidade. Nos Estados Unidos, não se exige o diploma de jornalista, mas se exige que tenha o nível universitário e se faça um curso de três, quatro meses, como se fosse uma espécie de extensão.

Alguns consideram que a decisão do STF enfraquece o Sindicato, a Fenaj e a própria ABI. Porém, partindo de outro ponto de vista, a mudança também não abre espaço para que essas instituições atuem de maneira mais intensiva no controle da qualidade dos cursos de jornalismo e da ética no exercício da profissão?

Com relação aos cursos de jornalismo, eu diria que isso é praticamente impossível. Primeiro, você verifica que só em Salvador existem 16 cursos de comunicação. Eu acho um absurdo. Isso é uma falta de honestidade total e absoluta do sistema capitalista, que abre cursos de comunicação onde não há mercado para o profissional. Então esses meninos que idealizam a profissão, porque é uma profissão bela, uma profissão que arrebata as pessoas… Por isso você é formado em direito, mas é jornalista, por isso eu sou formado em direito e sou jornalista, porque nós fomos arrebatados por essa profissão. Mas dezesseis cursos de comunicação em Salvador para três jornais? As rádios não dão emprego. Eu tenho uma rádio agora, a Tudo FM, e nós temos lá trabalhando agora (Raimundo) Varela, eu e Daniela Prata, Mário Freitas e Casimiro Neto. Você chega nas rádios e não encontra ninguém, porque as rádios utilizam o material que o Pimenta na Muqueca produz, o que eu produzo no Bahia Notícias.

Então, você analisa que os blogs realizam hoje um trabalho de agência de notícias e facilitam a vida de outros veículos?

Exatamente. Eu tenho trabalhando no site comigo, nos vários setores, trinta pessoas, sendo pelo menos dez jornalistas, a começar pelo meu nome, que encabeço e ancoro o site. As rádios não empregam um jornalista, porque estão a toda hora dando as informações que eu faço e que você faz.

No caso da Tudo FM e do Bahia Notícias, a parceria está dentro de casa.
A Tudo FM é uma rádio que pertence ao site Bahia Notícias, nós temos 50%. O meu programa é o Bahia Notícias no Ar. Direto da redação do site, entra um repórter meu dando as notícias do dia, e eu comentando. Existe um processo de conjunção entre os dois trabalhos porque é a mesma empresa, mas outra empresa que utiliza o seu trabalho para não contratar ninguém… Aí os meninos que estão nas escolas de comunicação, pagando R$ 700,00 de mensalidade… É uma situação complicada.

No fundo, então, apesar de institucionamente você analisar a decisão do STF como um retrocesso, a sua opinião pessoal é a de ela representa de alguma maneira um passo correto?
A exigência do diploma teria que cair e eu dizer isso é até uma temeridade, na condição de presidente da ABI, mas como aquela regra surgiu durante a ditadura militar em 1969, logo depois do AI-5, que foi baixado em dezembro de 1968… Então, um instrumento desse não poderia prevalecer e a grande imprensa brasileira estava toda contra a exigência.
Há espaço para não-jornalistas nas redações?

Você às vezes precisa de uma coluna econômica para analisar a crise financeira no Brasil no momento em que ela se encontra. Se o Brasil está saindo ou não da crise, o que está acontecendo com as exportações brasileiras, a receita que caiu, essa coisa toda, você chega na redação do jornal A Tarde e não tem ninguém em condição de escrever. Agora, o jornal pode contratar um economista, uma pessoa que tenha conhecimento de economia para fazer essa coluna. Uma coluna médica tem que ser feita por alguém que entenda de medicina. Tecnologia, informática, é preciso que a pessoa conheça a área.
Mas o jornalista não tem que saber um pouco de tudo?

O jornalista é por natureza um generalista e é obrigado a saber tudo. Eu me especializei no jornalismo político em 1968, então lá se vão 41 anos, mas eu sou inquieto, viciado em notícia. Eu leio tudo, entendo sobre tudo, porque eu virei um generalista também .

Você já experimentou quatro meios de comunicação (jornal, rádio, televisão e internet). Em sua opinião, o jornalista precisa ser cada vez mais um profissional multimídia?

Na verdade, eu sou uma pessoa inquieta por natureza. No meu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia - onde ocupo a cadeira de número 23, que pertenceuao meu mestre, Dr. Jorge Calmon - eu me comparei a uma pena que o vento leva. O vento foi me levando e jogando de um lado para o outro. Eu nasci em Itabuna, estudei no Colégio Lúcia Oliveira, saí menino para Salvador, fui para a Escola Getúlio Vargas, escola pública, para o Instituto Normal da Bahia, para o Severino Vieira, Central, ia fazer vestibular para medicina, mas duas irmãs passaram para essa área e eu não quis ser o terceiro médico da família. Pensei em engenharia, aí fiz o curso científico, porque tinha que aprender física, química, matemática, essa coisa toda. Depois resolvi fazer direito, aí fui estudar francês, inglês e latim. No primeiro ano de curso eu fui para uma redação de jornal e terminei jornalista. Nada do que eu marquei em minha vida aconteceu, foi tudo como a vida quis. Por isso que disse que eu sou como uma pena que o vento leva. Fiz televisão, estou no jornal impresso há 44 anos e hoje faço o site Bahia Notícias, que tem 30 mil acessos diários, e agora o rádio. Então eu completei meu ciclo e paro por aqui.

Você, como jornalista político há mais de 40 anos, nota alguma mudança no caráter dos políticos ao longo desse período?

Há muito tempo existe uma crise na classe política brasileira, mas ela acontece em razão de sermos uma democracia nova. A ditadura militar acabou em 1985 e, durante 21 anos, a política ficou aprisionada, ela ficou contida. A política é um exercício de inteligência, de cultura e de saber trabalhar e se articular nos bastidores. Era impossível se articular naquela época. Então, a partir de 1985, quem é que estava chegando na nova democracia brasileira? Primeiro foi eleito Tancredo Neves e a tragédia se abate sobre o Brasil, com a morte do homem da esperança. Entra na presidência José Sarney, que foi representante de um partido que dava respaldo à ditadura militar.

E depois…
Depois de Sarney, o que é que vem? Na primeira eleição direta, nós tínhamos um homem como Ulysses Guimarães e o Brasil elege Fernando Collor. Acontece o impeachment. Então, até aí, não tivemos nada. Estávamos com os políticos de sempre, anteriores, sem prática, com uma Constituição nova… Depois, em substituição a Collor, chegou Itamar Franco, que ninguém acreditava e acabou fazendo um bom governo em função de Fernando Henrique, por ser, este sim, um democrata e um intelectual de primeira grandeza. Eu acho que o marco da democracia brasileira começa com Fernando Henrique, que fez os oito anos - o erro dele - , segue com Lula, a quem eu tenho minhas críticas, mas faz um bom governo, dentro das bases do malanismo (de Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda). E Lula teve a sabedoria de se cercar de pessoas eficientes, que deram sequência (à política econômica de FHC), tanto assim que o Brasil sofreu menos do que poderia sofrer com essa crise econômica mundial.

Então o fato de sermos uma democracia nova explica a desmoralização da classe política?
Nós somos uma democracia novíssima e os políticos são absolutamente desrespeitados, mas porque não merecem respeito mesmo. O povo os rotula como ladrões e de repente a gente vê o Congresso envolto numa crise sem precedentes, que atinge tanto a Câmara dos Deputados como o Senado da República. Você vê José Sarney proceder como está procedendo, e agora nós estamos marchando para mil atos administrativos secretos. Um cidadão que nomeia sem nenhuma necessidade cinco pessoas da família dele com atos secretos. Para onde é que a gente vai? Então, tudo isso desgasta os políticos. Se me mandassem buscar na esquina um mandato de deputado, de graça, eu não iria. Para você entender o conceito que eu faço da classe política. E eu conheço todos.

Qual a sua opinião sobre o governo Wagner?

Wagner é meu amigo, é meu padrinho de casamento e eu sou padrinho do casamento dele. Começamos a namorar ao mesmo tempo, ele com Fátima e eu com Mirela, as duas amigas, e nós saíamos os quatro. Wagner dá um show de democracia, o que também é fácil depois de Antônio Carlos, mas a gestão de Wagner não está legal. A Bahia não estava acostumada com a democracia. Havia um grupo hegemônico e agora, quando há uma democracia, eu costumo dizer e escrever que os petistas e sindicalistas chegaram - como diz aquela música de Chico Buarque - “com a fome e com a sede de anteontem” e ocuparam todos os espaços políticos e administrativos da Bahia. Isso resultou em nada porque eles não sabem nada, só sabem complicar. Quando Waldir Pires foi governador da Bahia, ele me dizia que não aguentava mais a esquerda. Eu perguntava por que e ele respondia: “rapaz, a gente passa a noite toda discutindo e, quando chega 3 horas da manhã, servem alguma coisa para todo mundo comer e alguém diz para encerrar a reunião e continuar amanhã… Nunca vai a lugar nenhum”. Então, eles falam, falam, falam, mas ninguém têm resposta pragmática para administrar porque não sabem administrar.

O carlismo acabou com a morte de Antônio Carlos Magalhães ou este fato exatamente criou as condições para que o carlismo ressurgisse, como se vê agora com o reencontro de políticos como Antônio Imbassahy, Jutahy Júnior e ACM Neto?

O carlismo não vai ressurgir, pois está morto e sepultado. Ele desapareceria, mesmo que Antônio Carlos continuasse vivo, porque havia um processo de desgaste tamanho, que o carlismo descia a ladeira. Tanto assim que hoje, pouco tempo após a morte de Antônio Carlos, ninguém se lembra dele, enquanto Luís Eduardo ficou sendo velado durante dez anos.Porque o pai era poderoso. E agora, por que Antônio Carlos não é lembrado como Luís Eduardo foi? Porque o carlismo desapareceu. Ele se foi com a morte de Antônio Carlos, mas porque já era decadente. Com a derrota de Paulo Souto, Antônio Carlos entrou em parafuso, e houve uma diáspora do grupo dele.

Mas eles estão voltando a se unir…

Esse grupo voltou a se unir, mas não em torno do carlismo, mas em torno de um projeto, plural e democrático. De repente, a Bahia recebeu um choque de democracia. No lado que está se juntando, dos ex-carlistas, cada um tem sua liberdade de pensar. Não existe aquela coisa que havia antes, que era o velho mandar de cima pra baixo. O cacique determinava, agora não determina mais. Agora todo mundo conversa. Geddel conversa com ACM Neto, com Paulo Souto, é aliado de Wagner, briga com Wagner… Todo mundo discute e todo mundo conversa.

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