A 1ª crônica no JORNAL
DO BRASIL:(Quinta-feira, 2 de
outubro de 1969)
Carlos Drummond de
Andrade
Nos últimos tempos, vem
acontecendo leilões de navios e leilões de ilhas, não sei se de montanhas. O
leiloeiro, diante de um público restrito, mas de alto poder econômico (não há
por aí gente em condições de arrematar uma ilha ou um navio inteiro), faz se
exatamente como se se tratasse de um aparelho de chá ou de um lote de miudezas.
Só que é estranho ver uma ilha leiloada, com suas águas, plantas, bichos,
minerais, caminhos, casas e outras benfeitorias. Quem dá mais? Dou-lhe uma, dou-lhe duas... De
repente, ao entardecer, a ilha aparece no salão escuro, cercada de dívida;
emerge da papelada do espólio, ocupa a rua, caminhamos por ela através dos
lances do leilão, de gritos martelados.
Com o navio sucede a
mesma coisa. É um velho barco desmoralizado, mas como viajou! Se tardar um
pouco o leilão, êle se reduzirá a sucata. Vai afundando... mas tudo que foi
susto ou alegria de navegação vem a tona, e a sala se enche de gíria da
marujada, cabeludas histórias de bordo, ventos, tempestades, tatuagens, o diabo
sôlto no mar.Mesmo em ruínas, que nobre é o navio, inclusive os cargueiros!
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