quinta-feira, 5 de julho de 2012

A POESIA DE SOSÍGENES COSTA


SOSÍGENES COSTA
(1901 – 1968)  

Natural de Belmonte (BA), onde nasceu em 11 de novembro de 1901, mas passou a morar em Ilhéus (BA) a partir de 1923. Faleceu no Rio de Janeiro em 5 de novembro de 1968. Foi redator do Diário da Tarde e secretário da Associação Comercial, e aposentou-se em 1954 como telegrafista do antigo DCT (Departamento de Correios e Telégrafos). Seus versos começaram a aparecer a partir de 1922 em revista e jornais, e devido à sua paixão pela literatura ingressou na Academia dos Rebeldes (grupo modernista liderado por Pinheiro Viégas) composta por Alves Ribeiro, Clovis Amorim, Dias da Costa, Da Costa Andrade, Jorge Amado dentre outros que tinham o desejo de mudar a literatura baiana juntamente com os grupos de Samba e Arco & Flexa. O seu livro Obra Poética saiu em 1959 pela editora Leitura, mas a sua obra só seria bem dimensionada em 1978, com os esforços de José Paulo Paes em editá-la de forma integral. O poema Iararana, escrito em 1933, mereceu edição especial em 1979, com ilustrações de Aldemir Martins. Trata-se de obra peculiar pela forma como vê a colonização e a descoberta do cacau. É um poema mitológico de riqueza peculiaríssima. Seu soneto O pavão vermelho, que é usado por Massaud Moysés para ilustrar seu livro sobre a Poesia, não pode ficar de fora de nenhuma antologia da poesia brasileira que se queira representativa. Em 2001, a sua produção poética foi reunida num volume único, Poesia Completa, publicado pelo Conselho Estadual de Cultura da Bahia.

O poeta grapiúna legou-nos uma obra poética que ainda hoje perturba e se impõe pelo arrojo com que soube criar o seu verbo próprio e inconfundível. É ele a história de uma alma que sofria por coisas estranhas e requintadas, sobretudo pela tão estranha sensibilidade, só poderia dar-nos versos estranhos e, antes de tudo, impressionantemente belos.   Gilfrancisco


[Página preparada por Salomão Sousa]

O pavão vermelho

Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.

Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.

É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.

Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.


DUAS FESTAS NO MAR

Uma sereia encontrou
um livro de Freud no mar.
Ficou sabendo de coisas
que o rei do mar nem sonhava.

Quando a sereia leu Freud
sobre uma estrela do mar,
tirou o pano de prata
que usava para esconder
a sua cauda de peixe.
E o mar então deu uma festa.

E no outro dia a sereia
achou um livro de Marx
dentro de um búzio do mar.

Quando a sereia leu Marx
ficou sabendo de coisas
que o rei do mar nem sonhava
nem a rainha do mar.

Tirou então a coroa
que usava para dizer
que não era igual aos peixinhos.
Quebrou na pedra a coroa.

E houve outra festa no mar.


O pôr-de-sol do papagaio

O papa-vento nos jardins de maio
e o verde no seu mar de leite.
O mar já não é azul, é verde-gaio
num clarão que é relâmpago de azeite.

Se o mar é belo sem que a tarde o enfeite
quanto mais se o enfeitar o sol de maio.
O mar do papa-vento é o papagaio
e o céu do verde papa é o papa-leite.

Latadas cristalinas em desmaio.
Tombam flores do céu, meu papagaio.
E o papa-vento é de cristal e leite.

Deite leite, meu mar, pro papagaio.
Que o papagaio em verde se deleite
e não se enfeite de outra cor em maio.


A Cabeleira da Musa

No oceano de tua cabeleira entrevejo
um porto cheio de homens vigorosos de
todos os países... e navios de todas as formas.
Baudelaire

No teu cabelo há tardes outonais
amarelando o rio e os arvoredos.
Há cidades de mármores e rochedos
de açúcar-candi, bronzes e cristais.

No teu cabelo rútilo há milhões
de abelhas roxas fabricando favos
para o mel que roubam dos craveiros bravos
dos jardins levantinos de anões.

No teu cabelo há trêmulos trigais
de espigas fulvas e há gentis vinhedos
que molhas de perfume com teus dedos
com trinta anéis de pérola ovais.

No teu cabelo se abrem dos pavões
as estreladas caudas, dentre as rosas.
E brilham nela as pedras preciosas:
rubis, safiras, sárdios, cabuchões.

Nele há brondões, revérberos, fanais.
Pois isso atrai cornígeros besouros.
Por isso pombas e canários louros,
sempre de noite, feiticeira atrai.

No teu cabelo há reinos de sultões.
Teu cabelo relumbra como uns matos
cheio de olhos fosfóricos de gatos
e de escamas de fogo dos dragões.

Na tua cabeleira há catedrais.
No teu cabelo rola e ferve estranha
cascata de falerno e de champanha
por entre alabastrinos jasminais.

No teu cabelo vive uma serpente
que descasca por hora uma imponente
pele conteúdo bíblica signais.

No teu divino e esplêndido cabelo
rugem tigres de azul-celeste pêlo
e de unhas de ouro, lúcidas, fatais.

No teu cabelo. Musa Helena e saiba,
queimam-se incenso e nardo azul da Arábia
e outras sortes e espécies aromais.

No teu cabelo há um céu com muitas luas
iluminando cem mulheres nuas
que se banham num lago entre juncais.

No teu cabelo há sílfides e bruxos
dançando dentro dos jorros de repuxos
e há templos de âmbar louro e há muito mais:

Há globos de ouro e estames de açucenas
e cem faisões de prateadas penas,
- Filha do sol, princesa dos corais!



De
Sosígenes Costa
Iararana
Introdução, apuração do texto e glossário por José Paulo Paes.
Apresentação de Jorge Amado.
Ilustrações de Aldemir Martins
São Paulo:  Editora Cultrix, 1979.  115 p.  ilus. p&b  formato 32x23 cm
Exemplar numerado   0107


De Iararana:

Esse bicho da Oropa tinha parte com o diabo.
Esse bicho da Oropa foi o diabo neste rio
............................................................................
Ele fez guerra com espingarda aos cabocos do mato
............................................................................
tinha corpo de cavalo e andava de quatro pés
......................................................................
Mas ele dava na gente de taca e facão
e ensinou a gente a tirar broto de cacau
e o cacau desbrotado ficou parrudo
e bonitão como danado.


(Roda)

E o cacau foi chamado o alimento do céu,
a baba-de-moça comida na lua.
E o cacau ficou na coroa da lua,
e os meninos fizeram a roda na rua,
pedindo à lua manjar do céu.

         Carinha de anjo,
         moça do céu,
         bença, dindinha,
         me dê chá do céu,
         me dê chocolate,
         me dê bombom,
         baba de lua
         com manuê.

         Chá de santinho
         me dê me dê,
         café de anjo
         me dê me dê.

Dindinha, lua,
carinha de anjo,
me dê chá da lua
mais uma broa
pra meu pintinho
que saiu do ovo
que pinta pôs,
vestido de pelo
como um morcego,
feito uma poncã
de pó-de-arroz.

Me dê chocolate,
me dê bombom,
a teobroma
de seu Linneu.

A lua batiza
menino que nasce
depois que o cavalo
andou na lua
botando aquilo
que faz bombom.

         E o retrato do cavalo ficou na lua
         e ainda se vê o bichão na lua
         que está redonda como um botão.
         Não é S. Jorge que está na lua.
         Quem está na lua é aquele bichão.

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