quarta-feira, 12 de setembro de 2012

CARLOS NEJAR

CARLOS NEJAR
 
Estamos efetivamente diante de um dos grandes nomes da poesia brasileira contemporânea. Sabia de sua existência mas só travei contato com a sua vasta produção literária recentemente. Uma falha. Gosto de tudo que ele escreve mas tenho uma predileção muito especial por Ordenações (Porto Alegre: Editora Globo, 1970).


Contato
 
Não contratei com a vida.
O que ela me liga
é uma conquista de viver,
é uma fúria aprendida,
mas que gosta de ventar em mim.
 
Nunca segui cláusulas,
normas de existir.
Deixo que outros as cumpram
ou descumpram,
em artigo de morte ou vício.
Deixo que os contratantes
tentem apanhar a vida
em desídia;
ou busquem leva-la
aos ombros, na garupa
dos próprios escombros.
 
Não contratei com a vida.
Se ela me deu temores, desespero,
não me queixo, nem combato.
Não uso a legítima defesa
para impedir seu parto;
que ela nasça em mim,
cresça e se desfaça
 
Culpa não tenho
deste amor em desgraça,
deste amor sem casamento,
padrinhos, festas oficiais
e oferendas.
 
Não contratei;
o estado de graça
é castigá-la
com merecimento,
desamarrá-la das horas,
matá-la em nós.
E continuar vivendo.
 
 
Retorno
 
Voltei da morte,
órfão.
Desci as escadas
do empório;
entre os móveis
e os suspensórios,
minha alma escorre.
Que alma?
 
Voltei da morte;
nada enxergo
senão a vida;
nada receio
de seus conselhos.
Tudo me intriga
e sou tão velho
nesta medida.
 
Voltei da morte,
tão cheio de arte
e de requintes
que todo afinco
no amor é parte.
 
Voltei da morte.
Larga a viagem
de meus confrontos.
Espelho torto,
vejo-me nela.
posta num canto.
 
Que alma é esta,
feita de engodos
e de florestas?
Nascida há pouco,
morta num pasmo,
ressuscitada,
deixada ao largo?
 
Voltei da morte,
voltei a salvo
do julgamento
e outros contágios,
achando em tudo
diverso modo,
diverso enleio
e o parentesco
vazio de enredo.
 
Voltei da morte
tão estrangeiro
na sua ordem,
descontraído,
míope no esforço
de compreendê-la,
estando morto.
 
Voltei, a tempo
e, a contragosto.
 
 
Crença
 
Ainda serei eterno.
Não sei quando.
Sei que a sombra se alonga
e eu me alongo,
bólide na erva.
 
Ainda serei eterno.
Tenho ânsias cativas
no caderno. Cortejo
de símbolos, navios
e nunca mais me encerro
no meu fio.
 
Ainda serei eterno.
O mês finda, o ano,
o recomeço.
E o fraterno em mim
quer campo, monte, algibe.
Mas sou pequeno
para tanto aceno.
 
Metáforas me prendem
o eterno
que se pretende isento.
 
Numa dobra me escondo;
Noutra, deito.
Os nomes me percorrem no poente.
Sou sobrevivente
de alguma alta esfera
que saia de si mesma
e é primavera.
 
O eterno ainda será viável
como o sol, o dia,
o vento;
misturado ao que me entende
e transborda.
Misturado ao permanente
que me sobra.


De
Carlos Nejar
CANTICUS
Jaboatão, PE: Editora Guararapes – EGM, 2006.
sanfonado, s.p. .
Longo  poema com 388 versos, em edição especial.


 CANTICUS
(fragmento do poema)

As coisas vêm
quando mais
as flores vêem
com a vistas dos mortos
nos jacintos,
de cuja natureza
verdeceram:
do húmus
para fora,
no tangível.
E Deus sabe
vir
mais lento,
mais preciso.
E as coisas
vêm e flores,
cílios são
do paraíso.
E amor te posso
ver,
porque há paixão
ao nível de tuas plantas
e das grandes raízes. De resto
inteiro, o teu amor
me sabe e venho,
vou e as flores
Vêem dos olhos
o rumor de Deus.
Que sabes, tu,
Informe chão,
que nada sabes,
nem guardas
– mesmo a sombra —
do viajor?

(...)


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Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.


DE LONGO CURSO
        
Para Elza

Minha alma descansa
na tua alma,
onde a luz jamais
desativada:
é um navio de longo
curso pela água.

Redonda a luz e nós
atracamos na foz
com o fundo calmo.
Em mim te almas
E te amando, eu almo.


O CEGO DA GUITARRA
(GOYA)

Cego com os olhos
e morto. Cegos
os ouvidos. Cegos os olhos
de remota lembrança.
Nariz adunco e morto.
Chapéu entornado
E morto. Sob a capa,
Mortalha. Morto
morto morto.

Mas a guitarra
salta, a guitarra
letrada e casta
jorra e alegria
de um povo
em torno.

A guitarra é o cego.
A guitarra é o cego.
A guitarra tem os olhos
acesos.


AOS AMIGOS E INIMIGOS 

De amigos e inimigos
fui servido,
agora estamos unidos,
atrelados ao degredo.

Nunca fui o escolhido
onde os deuses me puseram.
Nem sou deles, sou de mim
e dos íntimos infernos.

Não.
Não me entreguem aos mortos,
os filhos que me pariram
e plasmei com meus remorsos
no seu mágico convívio.

De amigo e inimigos
fui servido
e com tão finada vida
e alegados motivos,
que ao dar por eles, já partira
e quando dei por mim, não estava vivo.

         Donações, 1969.


NOSSA SABEDORIA

Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os rios,
onda a onda.

Os peixes cruzarão nossos rostos vazios.
Intactos passaremos sob a correnteza
feita por nós e o nosso desespero.
Passaremos límpidos.

E nos moveremos,
rio dentro do rio,
corpo dentro do corpo,
como antigos veleiros.

         Árvore do Mundo, 1977

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TEXTOS EN ESPAÑOL
 
 
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.

                                                               DE LARGO CURSO

                                               Para Elza

                                      Mi alma descansa
                                      en tu alma,
                                      donde la luz está jamás
desactivada:
es un navio de largo
curso por el água.

Redonda la luz y nosotros
atracamos en la desembocadura
con el fondo sosegado.
En mí revives
y amándote, yo revivo.

         Melhores Poemas, 1997


EL CIEGO DE LA GUITARRA
(GOYA)

Ciego con ojos
y muerto. Ciegos
los oídos. Con los ojos
de remoto recuerdo.
Nariz curvada y muerta.
Sombrero ladeado
y muerto. Bajo la capa
mortaja.  Muerto
muerto muerto.

Pero la guitarra
salta, la guitarra
letrada y casta
mana la alegría
de un pueblo
alrededor.

La guitarra es el ciego.
La guitarra es el ciego.
La guitarra tiene los ojos
ardientes.


         Melhores Poemas, 1997


 A LOS AMIGOS Y ENEMIGOS

De amigos y enemigos
fui servido,
ahora estamos unidos,
prendidos al destierro.

Nunca fui el escogido
donde los dioses me pusieron.
Ni soy de ellos, soy mío
y de los íntimos infiernos.

No.
No me entreguen a los muertos,
los hijos que me parieron
y plasmé con mis remordimientos
en su mágico convivir.

De amigos y enemigos
fui servido
y con tan rematada vida
y alegados motivos,
que al dar com ellos, ya marchara
y cuando dí conmigo, no estaba vivo.

         Donações, 1969.


SABIDURÍA

Nuesra sabiduría es la de los ríos.
No tenemos otra.
Persistir. Ir con los rios,
ola a ola.

Los peces cruzan nuestros rostros vacíos.
Intactos pasaremos bajo la corriente
hecha por nosotros y nustro desespero.
Pasaremos transparentes.

Y nos moveremos,
río dentro del río,
cuerpo dentro del cuerpo,
como antiguos veleros.

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