CARLOS NEJAR
Estamos efetivamente
diante de um dos grandes nomes da poesia brasileira contemporânea. Sabia de sua
existência mas só travei contato com a sua vasta produção literária
recentemente. Uma falha. Gosto de tudo que ele escreve mas tenho uma predileção
muito especial por Ordenações
(Porto Alegre: Editora Globo, 1970).
Contato
Não contratei com a vida.
O que ela me liga
é uma conquista de viver,
é uma fúria aprendida,
mas que gosta de ventar em
mim.
Nunca segui cláusulas,
normas de existir.
Deixo que outros as cumpram
ou descumpram,
em artigo de morte ou
vício.
Deixo que os contratantes
tentem apanhar a vida
em desídia;
ou busquem leva-la
aos ombros, na garupa
dos próprios escombros.
Não contratei com a vida.
Se ela me deu temores,
desespero,
não me queixo, nem combato.
Não uso a legítima defesa
para impedir seu parto;
que ela nasça em mim,
cresça e se desfaça
Culpa não tenho
deste amor em desgraça,
deste amor sem casamento,
padrinhos, festas oficiais
e oferendas.
Não contratei;
o estado de graça
é castigá-la
com merecimento,
desamarrá-la das horas,
matá-la em nós.
E continuar vivendo.
Retorno
Voltei da morte,
órfão.
Desci as escadas
do empório;
entre os móveis
e os suspensórios,
minha alma escorre.
Que alma?
Voltei da morte;
nada enxergo
senão a vida;
nada receio
de seus conselhos.
Tudo me intriga
e sou tão velho
nesta medida.
Voltei da morte,
tão cheio de arte
e de requintes
que todo afinco
no amor é parte.
Voltei da morte.
Larga a viagem
de meus confrontos.
Espelho torto,
vejo-me nela.
posta num canto.
Que alma é esta,
feita de engodos
e de florestas?
Nascida há pouco,
morta num pasmo,
ressuscitada,
deixada ao largo?
Voltei da morte,
voltei a salvo
do julgamento
e outros contágios,
achando em tudo
diverso modo,
diverso enleio
e o parentesco
vazio de enredo.
Voltei da morte
tão estrangeiro
na sua ordem,
descontraído,
míope no esforço
de compreendê-la,
estando morto.
Voltei, a tempo
e, a contragosto.
Crença
Ainda serei eterno.
Não sei quando.
Sei que a sombra se alonga
e eu me alongo,
bólide na erva.
Ainda serei eterno.
Tenho ânsias cativas
no caderno. Cortejo
de símbolos, navios
e nunca mais me encerro
no meu fio.
Ainda serei eterno.
O mês finda, o ano,
o recomeço.
E o fraterno em mim
quer campo, monte, algibe.
Mas sou pequeno
para tanto aceno.
Metáforas me prendem
o eterno
que se pretende isento.
Numa dobra me escondo;
Noutra, deito.
Os nomes me percorrem no
poente.
Sou sobrevivente
de alguma alta esfera
que saia de si mesma
e é primavera.
O eterno ainda será viável
como o sol, o dia,
o vento;
misturado ao que me entende
e transborda.
Misturado ao permanente
que me sobra.
De
Carlos Nejar
CANTICUS
Jaboatão, PE:
Editora Guararapes – EGM, 2006.
sanfonado, s.p. .
Longo poema
com 388 versos, em edição especial.
CANTICUS
(fragmento
do poema)
As coisas vêm
quando mais
as flores vêem
com a vistas dos
mortos
nos jacintos,
de cuja natureza
verdeceram:
do húmus
para fora,
no tangível.
E Deus sabe
vir
mais lento,
mais preciso.
E as coisas
vêm e flores,
cílios são
do paraíso.
E amor te posso
ver,
porque há paixão
ao nível de tuas
plantas
e das grandes
raízes. De resto
inteiro, o teu
amor
me sabe e venho,
vou e as flores
Vêem dos olhos
o rumor de Deus.
Que sabes, tu,
Informe chão,
que nada sabes,
nem guardas
– mesmo a sombra
—
do viajor?
(...)
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Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé
Lois García
Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.
DE
LONGO CURSO
Para Elza
Minha alma descansa
na tua alma,
onde a luz jamais
desativada:
é um navio de longo
curso pela água.
Redonda a luz e nós
atracamos na foz
com o fundo calmo.
Em mim te almas
E te amando, eu almo.
O
CEGO DA GUITARRA
(GOYA)
Cego com os olhos
e morto. Cegos
os ouvidos. Cegos os olhos
de remota lembrança.
Nariz adunco e morto.
Chapéu entornado
E morto. Sob a capa,
Mortalha. Morto
morto morto.
Mas a guitarra
salta, a guitarra
letrada e casta
jorra e alegria
de um povo
em torno.
A guitarra é o cego.
A guitarra é o cego.
A guitarra tem os olhos
acesos.
AOS
AMIGOS E INIMIGOS
De amigos e inimigos
fui servido,
agora estamos unidos,
atrelados ao degredo.
Nunca fui o escolhido
onde os deuses me puseram.
Nem sou deles, sou de mim
e dos íntimos infernos.
Não.
Não me entreguem aos mortos,
os filhos que me pariram
e plasmei com meus remorsos
no seu mágico convívio.
De amigo e inimigos
fui servido
e com tão finada vida
e alegados motivos,
que ao dar por eles, já partira
e quando dei por mim, não estava vivo.
Donações,
1969.
NOSSA
SABEDORIA
Nossa sabedoria é a dos rios.
Não temos outra.
Persistir. Ir com os rios,
onda a onda.
Os peixes cruzarão nossos rostos vazios.
Intactos passaremos sob a correnteza
feita por nós e o nosso desespero.
Passaremos límpidos.
E nos moveremos,
rio dentro do rio,
corpo dentro do corpo,
como antigos veleiros.
Árvore do Mundo, 1977
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. y traducción de Xosé
Lois García
Santiago de Compostela: Edición Loiovento, 2001.
DE LARGO CURSO
Para Elza
Mi
alma descansa
en tu alma,
donde la luz está jamás
desactivada:
es un navio de largo
curso por el água.
Redonda la luz y nosotros
atracamos en la desembocadura
con el fondo sosegado.
En mí revives
y amándote, yo revivo.
Melhores Poemas,
1997
EL
CIEGO DE LA GUITARRA
(GOYA)
Ciego con ojos
y muerto. Ciegos
los oídos. Con los ojos
de remoto recuerdo.
Nariz curvada y muerta.
Sombrero ladeado
y muerto. Bajo la capa
mortaja. Muerto
muerto muerto.
Pero la guitarra
salta, la guitarra
letrada y casta
mana la alegría
de un pueblo
alrededor.
La guitarra es el ciego.
La guitarra es el ciego.
La guitarra tiene los ojos
ardientes.
Melhores Poemas,
1997
A
LOS AMIGOS Y ENEMIGOS
De amigos y enemigos
fui servido,
ahora estamos unidos,
prendidos al destierro.
Nunca fui el escogido
donde los dioses me pusieron.
Ni soy de ellos, soy mío
y de los íntimos infiernos.
No.
No me entreguen a los muertos,
los hijos que me parieron
y plasmé con mis remordimientos
en su mágico convivir.
De amigos y enemigos
fui servido
y con tan rematada vida
y alegados motivos,
que al dar com ellos, ya marchara
y cuando dí conmigo, no estaba vivo.
Donações,
1969.
SABIDURÍA
Nuesra sabiduría es la de los ríos.
No tenemos otra.
Persistir. Ir con los rios,
ola a ola.
Los peces cruzan nuestros rostros vacíos.
Intactos pasaremos bajo la corriente
hecha por nosotros y nustro desespero.
Pasaremos transparentes.
Y nos moveremos,
río dentro del río,
cuerpo dentro del cuerpo,
como antiguos veleros.
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