Thomaz Antonio Gonzaga, poeta lírico brasileiro. Nasceu
presumivelmente a 2 de agosto de 1744, na cidade do Porto (Portugal) e faleceu
em 1810, em Moçambique (África).
Era filho e neto de brasileiros. Com apenas sete anos
veio para o Brasil, em companhia de seus progenitores, iniciando seus estudos
no Colégio de Jesuítas da Bahia. Completou sua educação na Universidade de
Coimbra, onde ingressou em 1761, bacharelando-se em Leis.. Em 1782, sendo nomeado
Ouvidor em Vila Rica (Minas Gerais), transportou-se para o Brasil.. Por essa
época, apaixonou-se por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, que haveria
de se imortalizar como "Marília de Dirceu".
Envolvendo-se na Conjuração Mineira, foi preso a 21 de
maio de 1789, sendo removido para a prisão da Ilha das Cobras, tendo seus bens
confiscados. Sofrendo pena de desterro, foi enviado a 23 de maio de 1792 para a
costa oriental da África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de 10
anos de degredo.
Sua obra foi reunida em uma coleção de poesias,
conhecida com o nome de Marília
de Dirceu, publicada em Lisboa, pela primeira vez, em 1792. Tal
obra é considerada a mais importante obra lírica do Arcadismo no Brasil.
A poesia de Tomaz Antonio Gonzaga apresenta as típicas
características árcades e neoclássicas : o pastoril, o bucólico, a Natureza
amena, o equilíbrio, etc. Paralelamente, possui características pré-românticas
(principalmente na segunda parte de Marília
de Dirceu, escrita na prisão) : confissões de sentimento pessoal,
ênfase emotiva estranha aos padrões do neoclassicismo, descrições de paisagens
brasileiras. Para Sílvio Romero, foi Gonzaga "o mais afamado poeta
mineiro".
SONETO
Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.
Julgando os crimes nunca os votos dava,
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir aos réu chorava.
Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em ferro cofre cópia de ouro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:
Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro.
Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.
Julgando os crimes nunca os votos dava,
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir aos réu chorava.
Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em ferro cofre cópia de ouro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:
Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro.
(De Marília
de Dirceu)
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões
grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas
lãs, de que me visto.
Graças, Marília
bela, graças à minha estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio
Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
Graças, Marília
bela,
graças à minha estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
E bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e
prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que
um trono.
Graças, Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
a quem a luz do sol
em vão se
atreve;
papoila ou rosa
delicada e
fina
te cobre as faces,
que são cor da neve.
Os teus cabelos são uns fios d'ouro;
teu lindo corpo
bálsamos vapora.
Ah! não, não fez o céu, gentil pastora,
para glória de amor
igual tesouro!
Graças, Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Leve-me a
sementeira muito
embora o rio, sobre
os
campos levantado;
acabe, acabe a
peste matadora,
sem deixar uma rês,
o
nédio gado
Já destes bens,
Marília, não preciso
nem me cega a
paixão, que o
mundo arrasta;
para viver feliz,
Marília, basta
que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Irás a divertir-te na floresta,
sustentada, Marília, no meu braço;
aqui descansarei a quente sesta,
dormindo um leve sono em teu regaço;
enquanto a luta jogam os pastores,
e emparelhados correm nas campinas,
touca rei teus cabelos de boninas,
nos troncos gravarei os teus
louvores.
Graças, Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Depois que nos ferir a mão da morte,
ou seja neste monte, ou noutra
serra,
nossos corpos terão, terão a sorte
de consumir os dous a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
lerão estas palavras os pastores:
"Quem quiser
ser feliz nos seus amores,
siga os exemplos que nos deram estes".
Graças, Marília
bela,
graças à minha
estrela!
Pintam, Marília, os poetas
a um menino vendado,
com uma aljava de setas,
arco empunhado na mão;
ligeiras asas nos ombros,
o tenro corpo despido,
e de Amor ou de Cupido
são os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
que assim seja Amor, pois ele
nem é moço nem é cego,
nem setas nem asas tem.
Ora pois eu vou formar-lhe
um retrato mais' perfeito,
que ele já feriu meu peito:
por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
que sobre as costas ondeiam,
são que os de Apolo mais belos,
mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
e com o branco do rosto
fazem, Marília, um composto
da mais formosa união.
Tem redonda e lisa testa,
arqueadas sobrancelhas,
a voz meiga, a vista honesta,
e seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu:
que no dia luminoso
o Céu tem um sol formoso,
e o travesso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
purpúreas folhas de rosa,
brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
os seus beiços são formados;
os seus dentes delicados
são pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito,
dei logo um suspiro, e ele
conheceu haver-me feito
estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
entendia eu não olhava;
vendo que o via, baixava
a modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso;
ele, ouvindo os seus louvores,
com um modo desdenhoso
se sorriu e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
em que estava esta alma posta;
não me deu também resposta,
constrangeu-se e suspirou.
Conheço os sinais; e logo,
animado da esperança,
busco dar um desafogo
ao cansado coração.
Pego em seus dedos nevados,
e querendo dar-lhe um beijo,
cobriu-se todo de pejo
e fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
de Amor o lindo retrato,
contigo estarás dizendo
que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a copia é tua,
que Cupido é deus suposto:
se há Cupido, é só teu rosto,
que ele foi quem me venceu.
Minha bela Marília, tudo passa;
a sorte deste mundo é mal segura;
se vem depois dos males a ventura,
vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos
deuses
sujeitos ao poder do ímpio fado:
Apolo já fugiu do céu brilhante,
já foi pastor de
gado.
A devorante mão da negra morte
acaba de roubar o bem que temos,
até na triste campa não podemos
zombar do braço da inconstante
sorte:
qual fica no
sepulcro,
que seus avós ergueram, descansado;
qual no campo, e lhe arranca os
frios ossos
ferro do torto
arado.
Ah! enquanto os destinos impiedosos
não voltam contra nós a face irada,
façamos, sim, façamos, doce amada,
os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração que,
frouxo,
a grata posse de seu bem difere,
a si, Marília, a si próprio rouba.
e a si próprio
fere.
Ornemos nossas testas com as flores,
e façamos de feno um brando leito;
prendamo-nos, Marília, em laço
estreito,
gozemos do prazer de sãos amores.
Sobre as nossas
cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo
corre;
e para nós o tempo que se
passa
também, Marília,
morre.
Com os anos,
Marília, o gosto falta;
e se
entorpece o corpo
já cansado;
triste, o velho cordeiro está deitado;
e o
leve filho, sempre alegre, salta.
A mesma formosura
é dote
que só goza a mocidade:
rugam-se as faces,
o cabelo alveja,
mal chega a longa
idade.
Que havemos de
esperar, Marília bela?
que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm
tarde, já vêm frias,
e pode,
enfim, mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha
Marília,
aproveite-se o
tempo, antes que faça
o estrago
de roubar ao corpo as forças,
e ao
semblante a graça!
(De Marília de Dirceu)
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