segunda-feira, 24 de setembro de 2012

TOMÁS ANTONIO GONZAGA (1744-1810)



Thomaz Antonio Gonzaga, poeta lírico brasileiro. Nasceu presumivelmente a 2 de agosto de 1744, na cidade do Porto (Portugal) e faleceu em 1810, em Moçambique (África).
Era filho e neto de brasileiros. Com apenas sete anos veio para o Brasil, em companhia de seus progenitores, iniciando seus estudos no Colégio de Jesuítas da Bahia. Completou sua educação na Universidade de Coimbra, onde ingressou em 1761, bacharelando-se em Leis.. Em 1782, sendo nomeado Ouvidor em Vila Rica (Minas Gerais), transportou-se para o Brasil.. Por essa época, apaixonou-se por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, que haveria de se imortalizar como "Marília de Dirceu".

Envolvendo-se na Conjuração Mineira, foi preso a 21 de maio de 1789, sendo removido para a prisão da Ilha das Cobras, tendo seus bens confiscados. Sofrendo pena de desterro, foi enviado a 23 de maio de 1792 para a costa oriental da África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de 10 anos de degredo.
Sua obra foi reunida em uma coleção de poesias, conhecida com o nome de Marília de Dirceu, publicada em Lisboa, pela primeira vez, em 1792. Tal obra é considerada a mais importante obra lírica do Arcadismo no Brasil.
A poesia de Tomaz Antonio Gonzaga apresenta as típicas características árcades e neoclássicas : o pastoril, o bucólico, a Natureza amena, o equilíbrio, etc. Paralelamente, possui características pré-românticas (principalmente na segunda parte de Marília de Dirceu, escrita na prisão) : confissões de sentimento pessoal, ênfase emotiva estranha aos padrões do neoclassicismo, descrições de paisagens brasileiras. Para Sílvio Romero, foi Gonzaga "o mais afamado poeta mineiro".



SONETO

Obrei  quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.

Julgando os crimes nunca os votos dava,
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir aos réu chorava.

Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em ferro cofre cópia de ouro,
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:

Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer deste bens melhor tesouro.


(De Marília de Dirceu)

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela, graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
E bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,
a quem a luz do sol em vão se atreve;
papoila ou rosa delicada e fina
te cobre as faces, que são cor da neve.
Os teus cabelos são uns fios d'ouro;
teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! não, não fez o céu, gentil pastora,
para glória de amor igual tesouro!
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Leve-me a sementeira muito
embora o rio, sobre os campos levantado;
acabe, acabe a peste matadora,
sem deixar uma rês, o nédio gado
Já destes bens, Marília, não preciso
nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
para viver feliz, Marília, basta
que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Irás a divertir-te na floresta,
sustentada, Marília, no meu braço;
aqui descansarei a quente sesta,
dormindo um leve sono em teu regaço;
enquanto a luta jogam os pastores,
e emparelhados correm nas campinas,
touca rei teus cabelos de boninas,
nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Depois que nos ferir a mão da morte,
ou seja neste monte, ou noutra serra,
nossos corpos terão, terão a sorte
de consumir os dous a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
lerão estas palavras os pastores:
"Quem quiser ser feliz nos seus amores,
siga os exemplos que nos deram estes".
Graças, Marília bela,
graças à minha estrela!

Pintam, Marília, os poetas
a um menino vendado,
com uma aljava de setas,
arco empunhado na mão;
ligeiras asas nos ombros,
o tenro corpo despido,
e de Amor ou de Cupido
são os nomes que lhe dão.

Porém eu, Marília, nego,
que assim seja Amor, pois ele
nem é moço nem é cego,
nem setas nem asas tem.
Ora pois eu vou formar-lhe
um retrato mais' perfeito,
que ele já feriu meu peito:
por isso o conheço bem.

Os seus compridos cabelos,
que sobre as costas ondeiam,
são que os de Apolo mais belos,
mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
e com o branco do rosto
fazem, Marília, um composto
da mais formosa união.

Tem redonda e lisa testa,
arqueadas sobrancelhas,
a voz meiga, a vista honesta,
e seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao  Céu:
que no dia luminoso
o Céu tem um sol formoso,
e o travesso Amor tem dois.

Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
purpúreas folhas de rosa,
brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
os seus beiços são formados;
os seus dentes delicados
são pedaços de marfim.

Mal vi seu rosto perfeito,
dei logo um suspiro, e ele
conheceu haver-me feito
estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
entendia eu não olhava;
vendo que o via, baixava
a modesta vista ao chão.

Chamei-lhe um dia formoso;
ele, ouvindo os seus louvores,
com um modo desdenhoso
se sorriu e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
em que estava esta alma posta;
não me deu também resposta,
constrangeu-se e suspirou.

Conheço os sinais; e logo,
animado da esperança,
busco dar um desafogo
ao cansado coração.
Pego em seus dedos nevados,
e querendo dar-lhe um beijo,
cobriu-se todo de pejo
e fugiu-me com a mão.

Tu, Marília, agora vendo
de Amor o lindo retrato,
contigo estarás dizendo
que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a copia é tua,
que Cupido é deus suposto:
se há Cupido, é só teu rosto,
que ele foi quem me venceu.

Minha bela Marília, tudo passa;
a sorte deste mundo é mal segura;
se vem depois dos males a ventura,
vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos deuses
sujeitos ao poder do ímpio fado:
Apolo já fugiu do céu brilhante,
já foi pastor de gado.

A devorante mão da negra morte
acaba de roubar o bem que temos,
até na triste campa não podemos
zombar do braço da inconstante sorte:
qual fica no sepulcro,
que seus avós ergueram, descansado;
qual no campo, e lhe arranca os frios ossos
ferro do torto arado.

Ah! enquanto os destinos impiedosos
não voltam contra nós a face irada,
façamos, sim, façamos, doce amada,
os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração que, frouxo,
a grata posse de seu bem difere,
a si, Marília, a si próprio rouba.
e a si próprio fere.

Ornemos nossas testas com as flores,
e façamos de feno um brando leito;
prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
e para nós  o tempo que se passa
também, Marília, morre.

Com os anos, Marília, o gosto falta;
e se entorpece o corpo já cansado;
triste, o velho cordeiro está deitado;
e o leve filho, sempre alegre, salta.
A mesma formosura
é dote que só goza a mocidade:
rugam-se as faces, o cabelo alveja,
mal chega a longa idade.

Que havemos de esperar, Marília bela?
que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm tarde, já vêm frias,
e pode, enfim, mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha Marília,
aproveite-se o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças,
e ao semblante a graça!


(De Marília de Dirceu)

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