Homicídio sem cadáver
Essa máxima foi repetida incontáveis vezes ao longo dos séculos. Admito que eu também lancei mão dela em meus primeiros e incipientes tempos como professor de Direito Penal. Os estudos posteriores demonstraram que a coisa não era bem assim. Foi-me indicado um livro cujo título é Homicídio sem cadáver: o caso Denise Lafetá (ei, Vladimir, ainda estou com ele e disposto a te devolver; só preciso que me digas onde!). Trata-se da narração, feita por advogado que atuou no processo (Tibúrcio Delbis) representando a família da vítima, de um caso de 1988, em que um homem matou a própria esposa e deu sumiço no corpo, jamais encontrado. A tese defendida foi de que, a despeito disso, todos os elementos apurados conduziam a uma certeza moral do crime, suas circunstâncias e motivação. O tribunal do júri condenou o réu, que cumpriu sua pena até o final.
Todavia, os advogados de defesa, enquanto o mundo for mundo, continuarão se aferrando a aspectos que inviabilizem a ação penal contra seus clientes. Para tanto, dirão que sem o corpo não existe prova da morte ou, ainda que se tivesse a morte como certa, não se poderia investigar as suas causas determinantes. Logo, como saber se houve um homicídio?
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a meu ver aplicando o Direito com olhos postos num mundo que muda, acabou de fazer história ao rejeitar, por unanimidade, habeas corpus impetrado em favor de Jorge Willians Oliveira Bento, determinando que prossiga, contra ele, ação penal cujo início foi uma denúncia da prática de oito homicídios triplamente qualificados, com ocultação de cadáver. Entenderam os ministros que a ausência do corpo e de perícia necroscópica não são suficientes para inviabilizar a persecução criminal. Para a defesa, falta justa causa para o processo, na medida em que a perícia seria imprescindível, mormente diante das qualificadoras adotadas, dentre elas a tortura. Para o causídico, a denúncia foi apenas uma resposta precipitada à sociedade, em face de um crime de alta repercussão na mídia.
Originalmente, a denúncia fora rejeitada por ausência de prova da materialidade delitiva, mas a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acatou o recurso ministerial e mandou prosseguir a ação.
No STJ, a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, defendeu que o exame de corpo de delito é importante, porém não imprescindível para a comprovação do crime, podendo ser suprido por outros elementos. Nos autos existem exames de DNA comparando amostras de sangue encontrado no suposto local dos crimes com material colhido de familiares das vítimas.
Num mundo em que a tecnologia se desenvolve cada vez mais, ficando à disposição dos criminosos para a perpetração e ocultação de crimes cada vez mais sofisticados, os ministros merecem parabéns.
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