HUMBERTO DE CAMPOS
(1886 – 1934)
Humberto
de Campos Veras nasceu em Miritiba, hoje Humberto de Campos, Estado do
Maranhão. Deixou obra extensa e variada, incluindo crônicas e contos
humorísticos, além de sonetos refinados, que o tornaram um dos autores
mais populares em sua época. Aprendiz de tipógrafo e depois
escriturário, iniciou-se (1908) no jornalismo em Belém do Pará, e chegou
a diretor de A Província do Pará. Fatores políticos forçaram-no a
mudar-se (1912) para o Rio de Janeiro, RJ, onde passou a trabalhar como
redator de O Imparcial. A longa série de seus livros de prosa
iniciou-se com Da seara de Booz (1918). Publicou depois, entre outros, A
serpente de bronze (1921), A bacia de Pilatos (1924), O monstro e
outros contos (1932) e Poesias completas (1933). Eleito membro da
Academia Brasileira de Letras (1920), também foi eleito deputado
federal pelo Maranhão (1927), mas teve o mandato interrompido pela
revolução (1930). Suas Memórias (1933) são apontadas como seu livro mais
importante. Morreu no Rio de Janeiro, RJ, e seu Diário secreto,
publicado postumamente (1954), causou escândalo.
“Tido
e elogiado como um prosador admirável, a fase poética de Humberto de
Campos, no começo de sua carreira (1904-1915), quando publicou os dois
volumes
De Poeira,
enquadra-se numa fase de transição, a que alguns chamam de
neoparnasiana, mas sem uma característica definida. Certo, o homem de
sensibilidade que também sabia fazer versos, como alguns de seus
contemporâneos.” ASSIS BRASIL
BEATRIZ
Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por ínvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.
Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o ônix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas...
E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.
Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!
MIRITIBA
É o que me lembra: uma soturna vila
olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na água salobra, a canoada em fila...
Grandes redes ao sol, mangais defronte...
De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...
Duas ruas somente... a água tranqüila...
Botos no prea-mar... A igreja... A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila.
Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.
Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,
Minha mãe, pela noite, agita um lenço...
Ao vir do sol, a água do mar se alteia.
Range o mastro... Depois... só me recordo
Deste doido lutar por terra alheia!
POEIRA...
Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, à luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pó, que se ergue à carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.
Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.
Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:
Que és o humílimo pó duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.
DOR
Há de ser uma estrada de amarguras
a tua vida. E andá-la-ás sozinho,
vendo sempre fugir o que procuras
disse-me um dia um pálido advinho.
No entanto, sempre hás de cantar venturas
que jamais encontraste... O teu caminho,
dirás que é cheio de alegrias puras,
de horas boas, de beijos, de carinho..."
E assim tem sido... Escondo os meus lamentos:
É meu destino suportar sorrindo
as desventuras e os padecimentos.
E no mundo hei de andar, neste desgosto,
a mentir ao meu íntimo, cobrindo
os sinais destas lágrimas no rosto!
LENDO-TE
“As roseiras aqui já estão florindo...”
Mandas dizer... “As híspidas e pretas
Rochas da estrada já se estão cobrindo
De musgo verde... Há muitas borboletas...”
E eu fico a pensar que agora é o lindo
Mês das rosas esplêndidas e inquietas
Asas: mês em que a serra anda sorrindo,
E em que todos os pássaros são poetas.
Vejo tudo: a água canta entre os cafeerios.
Vejo o crespo crisântemo e a açucena
Estrelando a verdura dos canteiros.
Penso, então, que em tudo isto os olhos pousas...
E começo a chorar... Olha: tem pena,
não me escrevas falando nessas cousas!...
SÍMBOLO
Meu amor! meu amor! voltaste ainda
A povoar os meus sonhos! Que forte elo
É este afeto, este céu de altura infinda,
Que eu de rimas e lágrimas estrelo?!
Sonho. É aí onde estás: A tarde finda...
Perto — a angústia; distante — tudo é belo:
Muito ao longe — a ala serra muito linda;
Junto a nós — o sertão muito amarelo...
“Olha (disseste), é um símbolo terrível:
A nossos pés, com o seu tormento, os ermos;
E olha a serra: é a Ventura inacessível...”
E acordei, a sentir estas saudades...
Que fizemos aos céus, para sofrermos
Tão longa série de infelicidades?...
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