quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A LIBERDADE DE IMPRENSA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Por Marcos Antônio Santos Bandeira (2005)



“Quando o pensamento cala, as revoluções falam” (Castelar)

A liberdade de expressão manifestada através da imprensa nunca foi e nunca será concebida de forma absoluta, “contrarium sensu”, como tudo na vida deve ser relativizado, delimitado, para que não sejam conspurcados outros direitos fundamentais inerentes ao ser humano, precisamente os relacionados diretamente à sua personalidade.

Desde que Gutemberg inventou os primeiros caracteres em 1436, a imprensa vem crescendo paulatinamente e constituindo-se num dos mais eficientes meios de controles sociais, muito embora ainda seja utilizada em alguns países como instrumento para legitimar governos tirânicos e déspotas ou, como nos primórdios, para justificar o temível poder inquisitorial da igreja. No Brasil, segundo Barbosa Lima, a primeira impressão ocorreu em Pernambuco em 1706.

Com o vertiginoso crescimento da imprensa surgiu a necessidade de disciplinar a sua utilização, estabelecendo-se normas abstratas de condutas, no sentido de evitar, principalmente, os abusos e desvios cometidos através da imprensa. No mundo civilizado são conhecidos dois sistemas de controle da imprensa: o preventivo – censura prévia – e o repressivo . O primeiro, o execrável sistema de censura prévia, é asfixiante, cerceador e a pretexto de acautelar a sociedade, tolhe a liberdade de expressão. È típico de países de regime totalitário e vilipendia o direito à informação. Entre nós brasileiros, a censura prévia vigorou até 1945, com o fim do Estado Novo, muito embora ainda no império, o espírito libertário de José Bonifácio de Andrada e Silva fizera baixar uma portaria no dia 19.01.1822 abolindo a censura prévia nos escritos anônimos, instituindo a responsabilidade sucessiva do autor – quando identificável – ou do responsável pelo impresso pelos abusos eventualmente cometidos. Importante salientar que essa liberdade exagerada concedida a imprensa à época desencadeou reação de importantes segmentos do poder político e econômico, ensejando que o imperador D. Pedro assinasse o decreto datado de 18.06.1822, pelo qual criava a instituição do Júri Popular composto por 24 cidadãos para julgar os delitos de imprensa. O sistema repressivo, admitido desde a Constituição de 1946, foi restringido pela Lei nº 2.083/53, mas revigorado entre nós pelo advento da Lei nº 5.250/67.

Como se depreende, esse sistema preserva a liberdade de expressão fundada no senso de responsabilidade, devendo-se os responsáveis pelos abusos ou desvios responderem criminal e civilmente por seus atos. Evidentemente que esse sistema expõe e coloca o cidadão numa situação de manifesta inferioridade, ante o poder extraordinário da mídia, que invade à sua privacidade, formando uma opinião capaz de gerar preconceitos ou prejulgamentos, algumas vezes sem qualquer fidelidade com a realidade dos fatos.

É curial que se encontre um ponto de equilíbrio entre o direito à informação e os direitos fundamentais do ser humano, mormente agora quando se discute no Congresso Nacional uma nova lei de imprensa. O “lobbie” dos grandes meios de comunicação tenta tarifar os valores por danos morais sob o fundamento de que indenizações milionárias vêm levando a falência várias empresas do ramo de comunicação, todavia, é importante que nossos legisladores não se esqueçam que é imperativo preservar a honra e a privacidade das pessoas, já que os atuais meios de controle social têm se revelado ineficientes em alguns casos para evitar prejuízos de ordem moral. Evidentemente que não desejamos retornar ao obscurantismo da época da censura prévia, como ensaiou recentemente uma juíza brasileira, ao conceder uma liminar proibindo a circulação de determinada revista que continha artigo hostilizado por um cidadão. Essa prática constitui um retrocesso, pois viola frontalmente a liberdade de expressão num verdadeiro Estado de Direito. Da mesma forma, não podemos conceber que pessoas inescrupulosas, sem qualquer formação jornalística e desprovidas de senso ético-profissional, utilizem das linhas de um impresso ou de um microfone de uma emissora de rádio ou televisão para descarregar suas angústias e idiossincrasias, defenestrando gratuitamente à honorabilidade das pessoas, degenerando-se para o abuso e a anarquia.

Não aceitamos a crítica improdutiva, mas sim a crítica responsável, ponderada, que seja capaz de construir alternativas para melhorar a realidade social, seja através de inovações, aperfeiçoamentos dos serviços públicos ou denúncias fundamentadas contra atos praticados por autoridades, reveladas mediante uma imprensa investigativa, na qual seja assegurada a ampla defesa ao investigado. Esse papel da imprensa já transcende o de mero serviço de utilidade pública para se tornar verdadeiro formador de opinião pública, como preleciona o prof. Calmon de Passos:

“ O séc. XX, particularmente, experimentou verdadeira revolução. Nele se con solidou o que vinha paulatinamente se revelando – a progressiva transformação de um público pensador de cultura e formador de opinião em um público consumidor de cultura, deslocando-se a formação da opinião pública para os detentores dos meios de comunicação...A imprensa, máxime, com sua expansão além da imprensa escrita se fez um poder e um poder que, por não estar formalmente institucionalizado, escapa de controles sociais...Pode-se subjugar a imprensa, submetê-la ao poder político, estatizando-a ou censurando-a prévia e drasticamente, mas não se sabe como controlá-la eficientemente, quando liberada”.

O “pai do rádio no Brasil”, Roquete Pinto, maravilhado pela inovação proporcionada pela radiofusão vaticinou em 1923: “Todos os lares espalhados pelo imenso território brasileiro receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte; a paz será realidade definitiva entre as nações. Tudo isso há de ser o milagre das ondas misteriosas que transportam no espaço silenciosamente, as harmonias”. Destarte, urge que além de uma imprensa propagadora da cultura e arte, divulgando-se fatos – que constituam notícias -, crônicas, como profetizado pelo “pai do Rádio”, tenhamos também, acompanhando a própria evolução social, uma imprensa investigativa e responsável que critique os atos de autoridades e revele seus desvios ao conhecimento público e dos poderes competentes, semeando os valores da verdade, moralidade, honestidade, enfim do bem estar social e da dignidade humana.Concomitantemente a tudo isso impõe-se que a imprensa institucionalize o seu próprio código de ética, no sentido de afastar os maus profissionais que colocam os cidadãos como reféns do “olho rastreador da mídia”. Nesse diapasão, quando a liberdade de expressão transborda para deturpar a verdade, divulgar ofensas, criticar por criticar, desnudar desnecessariamente a privacidade de pessoas comuns, fazer apologia de crimes ou servir de instrumento para extorquir pessoas, torna-se imprescindível a interferência do Estado-Juiz para restabelecer a paz social e fazer valer o império da lei. Afinal, a liberdade de expressão, como todos os direitos fundamentais do indivíduo, não são absolutos, impondo-se, pois, à sua delimitação, para resguardar a paz e convivência social.

Referências bibliográficas:

Autor: Marcos Bandeira – Juiz de Direito da Vara de Imprensa de Itabuna.

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