O Supremo Tribunal da Espanha condenou nesta quinta-feira o juiz Baltasar Garzón - conhecido internacionalmente por ter emitido um mandado de prisão internacional contra o ex-ditador chileno Augusto Pinochet e por tentar extraditá-lo - a 11 anos de afastamento de sua profissão.
Garzón, de 56 anos, foi condenado por abuso de autoridade sob acusações de ter ordenado escutas telefônicas ilegais entre advogados e réus em um caso de corrupção. Não cabe recurso à sentença, segundo as agências internacionais, o que deve, na prática, pôr fim à carreira do juiz, que ganhou fama por encampar casos polêmicos internacionais relacionados a direitos humanos.
O juiz é acusado pela organização de extrema direita Manos Limpias (Mãos Limpas) de ter desconsiderado a Lei de Anistia local, de 1977. O caso trouxe à tona resquícios do franquismo, reformatou antigas divisões na sociedade e possibilitou que familiares de desaparecidos levassem, pela primeira vez, seus dramas aos tribunais.
O juiz também responde a outro processo que envolve o fato de ter conseguido patrocínio do Banco Santander para seminários que ministrou em Nova York.
Reações e apoios
O trabalho de Garzón sobre o franquismo desencadeou reações dos setores mais conservadores. "Ao abrir essa investigação (sobre o franquismo), ele acabou por reeditar as duas Espanhas, situação que havia sido totalmente superada pela Constituição e pelos mais de 30 anos de democracia", disse o diretor da organização Manos Limpias, Miguel Bernad, à BBC Brasil.
Mas um grupo formado por artistas, intelectuais, familiares das vítimas do regime de Francisco Franco e partidos de esquerda foram às ruas declarar-lhe apoio. "Esse processo contra Garzón é um aviso da direita espanhola, que tenta impor um limite à Justiça. Podem-se julgar crimes contra a humanidade de outros países, mas não daqui", avaliou, em entrevista à BBC Brasil, Rubén Fernández Casar, membro do partido Izquierda Unida, ao qual Garzón se aproxima ideologicamente.
Um grupo denominado "Solidários com Garzón" (www.solidarioscongarzon.com) organiza espetáculos artísticos e manifestações em apoio ao magistrado. Entre os que aderiram estão o cineasta Pedro Almodóvar e a atriz Pilar Bardem, mãe do também ator Javier Bardem. Em resposta à condenação desta quinta-feira, o grupo escreveu em seu site que organizará uma manifestação em Madri.
Caso inédito
A ofensiva contra Garzón também reacendeu uma polêmica em relação ao tratamento judicial que deve ser dado aos crimes contra a humanidade. Entidades de defesa dos direitos humanos, como Anistia Internacional e Human Rights Watch, compartilham a ideia do magistrado de que os delitos contra a humanidade são permanentes e não devem ser abarcados pelas leis nacionais de anistia.
"Considerar ilegal sua tentativa de aplicar a jurisdição universal e de investigar crimes contra a humanidade é uma ameaça à independência da Justiça. Eles não são passíveis de prescrição", defendeu Reed Brody, observador da Human Rights Watch enviado a Madri, em entrevista à BBC Brasil. "O judiciário precisa de juízes corajosos como ele, que mudou o mundo e derrubou muros de impunidade com seu trabalho ao tentar prender Pinochet e agir contra as ditaduras latino-americanas", completou Brody.
Já o observador da Anistia Internacional, Ignacio Jovtis, destaca a atuação de Garzón como "pioneira na defesa da jurisdição universal". "É escandaloso que um juiz seja processado por investigar crimes contra os direitos humanos. É o primeiro caso, no mundo, de que temos notícia", disse Jovtis à BBC Brasil.
Do banco dos réus, Garzón alegou que utilizou, em relação ao franquismo, os mesmos princípios que levaram à detenção de Pinochet, em 1998. Mas, ainda assim, a Suprema Corte acatou a acusação do grupo Manos Limpias e avalia se ele desconsiderou a anistia.
"Ele prevaricou, ultrapassou seus limites, pois existe a Lei de Memória Histórica que repara moral e economicamente os vencidos. Mas, como é de esquerda e se crê acima da Constituição, ditou a resolução contra o franquismo e por isso deve ser afastado dos tribunais para sempre", contestou Miguel Bernad, da Manos Limpias.
Testemunhas relatam crimes
O julgamento, no entanto, tomou um rumo inesperado para a acusação. A defesa apresentou familiares de vítimas do franquismo como testemunhas e elas relataram, pela primeira vez a um tribunal, as atrocidades do regime.
Uma senhora contou como seu pai foi torturado e morto por um oficial das Forças Armadas que, ainda por cima, leva no pulso o relógio da vítima. Um filho relembrou o assassinato do pai por ter dado pães e ovos a rebeldes. Um pesquisador contou como o Estado articulava esquadrões da morte.
A acusação alegou que o processo não se tratava disso e desqualificou os depoimentos, mas o juiz responsável autorizou a continuação dos testemunhos nesta semana. "Ele atuou como sempre, de acordo com sua sensibilidade social", defendeu o advogado Manuel Gonzalez Alonso, amigo pessoal de Garzón, à BBC Brasil.
Alonso crê que sua preocupação social vem de sua origem humilde - seu pai cultivou azeitonas e trabalhou como frentista num posto de gasolina. "Baltasar abriu o processo porque foi procurado pelas famílias das vítimas e, como sempre, não teve medo", adicionou. (Com reportagem de Vítor Rocha, de Madri para a BBC Brasil)
Garzón, de 56 anos, foi condenado por abuso de autoridade sob acusações de ter ordenado escutas telefônicas ilegais entre advogados e réus em um caso de corrupção. Não cabe recurso à sentença, segundo as agências internacionais, o que deve, na prática, pôr fim à carreira do juiz, que ganhou fama por encampar casos polêmicos internacionais relacionados a direitos humanos.
O juiz é acusado pela organização de extrema direita Manos Limpias (Mãos Limpas) de ter desconsiderado a Lei de Anistia local, de 1977. O caso trouxe à tona resquícios do franquismo, reformatou antigas divisões na sociedade e possibilitou que familiares de desaparecidos levassem, pela primeira vez, seus dramas aos tribunais.
O juiz também responde a outro processo que envolve o fato de ter conseguido patrocínio do Banco Santander para seminários que ministrou em Nova York.
Reações e apoios
O trabalho de Garzón sobre o franquismo desencadeou reações dos setores mais conservadores. "Ao abrir essa investigação (sobre o franquismo), ele acabou por reeditar as duas Espanhas, situação que havia sido totalmente superada pela Constituição e pelos mais de 30 anos de democracia", disse o diretor da organização Manos Limpias, Miguel Bernad, à BBC Brasil.
Mas um grupo formado por artistas, intelectuais, familiares das vítimas do regime de Francisco Franco e partidos de esquerda foram às ruas declarar-lhe apoio. "Esse processo contra Garzón é um aviso da direita espanhola, que tenta impor um limite à Justiça. Podem-se julgar crimes contra a humanidade de outros países, mas não daqui", avaliou, em entrevista à BBC Brasil, Rubén Fernández Casar, membro do partido Izquierda Unida, ao qual Garzón se aproxima ideologicamente.
Um grupo denominado "Solidários com Garzón" (www.solidarioscongarzon.com) organiza espetáculos artísticos e manifestações em apoio ao magistrado. Entre os que aderiram estão o cineasta Pedro Almodóvar e a atriz Pilar Bardem, mãe do também ator Javier Bardem. Em resposta à condenação desta quinta-feira, o grupo escreveu em seu site que organizará uma manifestação em Madri.
Caso inédito
A ofensiva contra Garzón também reacendeu uma polêmica em relação ao tratamento judicial que deve ser dado aos crimes contra a humanidade. Entidades de defesa dos direitos humanos, como Anistia Internacional e Human Rights Watch, compartilham a ideia do magistrado de que os delitos contra a humanidade são permanentes e não devem ser abarcados pelas leis nacionais de anistia.
"Considerar ilegal sua tentativa de aplicar a jurisdição universal e de investigar crimes contra a humanidade é uma ameaça à independência da Justiça. Eles não são passíveis de prescrição", defendeu Reed Brody, observador da Human Rights Watch enviado a Madri, em entrevista à BBC Brasil. "O judiciário precisa de juízes corajosos como ele, que mudou o mundo e derrubou muros de impunidade com seu trabalho ao tentar prender Pinochet e agir contra as ditaduras latino-americanas", completou Brody.
Já o observador da Anistia Internacional, Ignacio Jovtis, destaca a atuação de Garzón como "pioneira na defesa da jurisdição universal". "É escandaloso que um juiz seja processado por investigar crimes contra os direitos humanos. É o primeiro caso, no mundo, de que temos notícia", disse Jovtis à BBC Brasil.
Do banco dos réus, Garzón alegou que utilizou, em relação ao franquismo, os mesmos princípios que levaram à detenção de Pinochet, em 1998. Mas, ainda assim, a Suprema Corte acatou a acusação do grupo Manos Limpias e avalia se ele desconsiderou a anistia.
"Ele prevaricou, ultrapassou seus limites, pois existe a Lei de Memória Histórica que repara moral e economicamente os vencidos. Mas, como é de esquerda e se crê acima da Constituição, ditou a resolução contra o franquismo e por isso deve ser afastado dos tribunais para sempre", contestou Miguel Bernad, da Manos Limpias.
Testemunhas relatam crimes
O julgamento, no entanto, tomou um rumo inesperado para a acusação. A defesa apresentou familiares de vítimas do franquismo como testemunhas e elas relataram, pela primeira vez a um tribunal, as atrocidades do regime.
Uma senhora contou como seu pai foi torturado e morto por um oficial das Forças Armadas que, ainda por cima, leva no pulso o relógio da vítima. Um filho relembrou o assassinato do pai por ter dado pães e ovos a rebeldes. Um pesquisador contou como o Estado articulava esquadrões da morte.
A acusação alegou que o processo não se tratava disso e desqualificou os depoimentos, mas o juiz responsável autorizou a continuação dos testemunhos nesta semana. "Ele atuou como sempre, de acordo com sua sensibilidade social", defendeu o advogado Manuel Gonzalez Alonso, amigo pessoal de Garzón, à BBC Brasil.
Alonso crê que sua preocupação social vem de sua origem humilde - seu pai cultivou azeitonas e trabalhou como frentista num posto de gasolina. "Baltasar abriu o processo porque foi procurado pelas famílias das vítimas e, como sempre, não teve medo", adicionou. (Com reportagem de Vítor Rocha, de Madri para a BBC Brasil)
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