Ministro considera afastado obstáculo de comparecimento de Carlos Cachoeira a CPMI
O ministro Celso de Mello,
do Supremo Tribunal Federal (STF), não acolheu o pedido de prorrogação de
prazo formulado pela defesa, indeferiu o adiamento da sessão da
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Operações Vegas e Monte
Carlo, designada para amanhã (22), e considerou afastado o obstáculo,
até agora existente, quanto ao comparecimento de Carlos Augusto de Almeida
Ramos, o Carlos Cachoeira, perante o órgão de investigação legislativa. A
decisão foi tomada no Habeas Corpus (HC) 113548.
,Decisão
do relator do caso:
HABEAS CORPUS 113.548 DISTRITO
FEDERAL
RELATOR :MIN. CELSO
DE MELLO
PACTE.(S) :CARLOS AUGUSTO DE ALMEIDA RAMOS
IMPTE.(S) :MÁRCIO THOMAZ BASTOS E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) :PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR
MISTA DE INQUÉRITO -
OPERAÇÕES VEGAS E
MONTE CARLO
DECISÃO : Ao suspender,
cautelarmente, o
comparecimento do ora
paciente
perante a “Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito - Operações
Vegas e Monte Carlo”,
deixei assentadas as seguintes conclusões, todas
elas apoiadas em inúmeros precedentes resultantes da
jurisprudência
constitucional que
o Supremo Tribunal Federal firmou em matéria de
extensão dos
poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito e da
oponibilidade,
a tais órgãos de investigação
legislativa, de direitos e
garantias
fundados na Constituição:
“(a) a
investigação parlamentar,
por mais graves que sejam
os fatos pesquisados pela Comissão de Inquérito (CPI),
não pode
desviar-se dos limites traçados pela Constituição nem transgredir
as garantias, que, decorrentes do sistema normativo, foram
atribuídas à generalidade das pessoas, físicas e/ou jurídicas;
(b) a
unilateralidade do
procedimento de investigação
parlamentar não
confere, à CPI, o poder de negar, em
relação ao
indiciado, determinados
direitos e certas garantias
que derivam do
texto constitucional ou de
preceitos inscritos em diplomas legais;
(c) o
indiciado é sujeito de direitos e dispõe de
garantias
plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897);
(d) no
contexto do sistema constitucional
brasileiro, a
unilateralidade da investigação parlamentar - à semelhança do que
ocorre com o próprio inquérito policial - não tem o
condão de abolir
direitos, de
derrogar garantias, de suprimir liberdades ou
de
conferir,
à autoridade pública (investida, ou não, de mandato eletivo),
poderes absolutos na produção da prova e na
pesquisa dos fatos;
(e) a
exigência de respeito aos
princípios consagrados em nosso
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sistema constitucional não frustra
nem impede o exercício pleno, por
qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se
acha investida; e
(f) o sistema
normativo brasileiro assegura,
ao Advogado
regularmente constituído pelo indiciado (ou por
aquele submetido a
atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso ao inquérito
(parlamentar, policial ou administrativo),
mesmo que sujeito a regime
de sigilo (sempre
excepcional), desde que
se trate de provas já
produzidas e
formalmente incorporadas ao
procedimento
investigatório, excluídas,
consequentemente, as informações e
providências investigatórias ainda em curso de
execução e, por isso
mesmo, não
documentadas no próprio inquérito ou processo
judicial.”
A eminente autoridade
apontada como coatora noticia que já não
mais subsistiria o
obstáculo que motivou a presente impetração, eis que
“os advogados do ora paciente tiveram franqueado
integral acesso à
documentação em poder desta CPMI (...)”, fato
processual relevante que se
revelaria
apto, em tese, a gerar a
prejudicialidade da presente ação
constitucional,
por efeito de perda superveniente de seu objeto.
Essa
informação, emanada do Senhor Presidente da “Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito - Operações Vegas e
Monte Carlo” reveste-se
de inquestionável relevo
jurídico-processual.
É que o pretendido acesso
aos dados e documentos em poder de
referida
CPMI veio a ser por esta assegurado ao paciente e
aos Advogados
por
ele constituídos, o que me levaria a julgar prejudicado o presente
“writ”
constitucional, eis que aparentemente removido o obstáculo que
motivou
esta impetração.
Ocorre,
no entanto, que, em
razão da medida cautelar por mim
concedida,
a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito em referência
permitiu,
aos Advogados constituídos pelo ora paciente, “acesso aos dados
armazenados nos computadores da notória ‘sala secreta’
instalada no Senado
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Federal”,
com uma restrição, porém: a de que, embora
possível a ampla e
integral consulta
aos documentos e elementos probatórios, esta se
viabilizaria
“nos mesmos moldes do acesso
franqueado aos Senadores e
Deputados que integram este colegiado”.
Sustenta-se,
bem por isso, que “(...)
o precário e limitado acesso aos
elementos informativos deferido pela c. CPMI está a
léguas de permitir ao
paciente o ‘exercício, em plenitude, do direito de
defesa’ e a seus defensores, ‘as
prerrogativas profissionais que lhe são inerentes’”, pois, “(...)
impor aos
patronos do paciente as mesmas restrições ‘do acesso franqueado aos Senadores
e Deputados que integram este colegiado’, conforme determinado pelo ínclito
Presidente da Comissão, significa que eles não poderão ‘portar aparelho de
telefonia celular ou qualquer outro que disponha de
câmara fotográfica ou
filmadora e que possibilite a reprodução de imagem ou
de mídia’, tudo de modo
a que ‘não possam ser transmitidas ou reproduzidas
quaisquer informações’”
(grifei).
Daí porque os
ora impetrantes insistem na pretensão de que “(...)
deve ser mantida, na íntegra, a liminar deferida (...)”.
Devo observar,
no entanto, que, em
consulta aos registros
processuais
que o E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região mantém em
sua
página oficial na “Internet”, constatei que o ora paciente, réu
nos
autos da Ação Penal nº
0009272-09.2012.4.01.3500, em tramitação
na
11ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás (Goiânia), atuando,
por
intermédio
dos mesmos ilustres Advogados ora impetrantes desta ação de
“habeas corpus”,
já havia oferecido, em meados
de abril de 2012, defesa
preliminar em
referido procedimento penal, certamente
fazendo-o,
autorizado pela dilação permitida pelo
art. 396-A do CPP, com apoio nos
elementos
probatórios a que teve acesso e cujo conteúdo
coincide, em
grande parte,
com a pretensão veiculada nesta impetração e
nas demais
manifestações
formuladas, perante esta Suprema Corte, pelos ora
impetrantes.
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Vale dizer:
o ora paciente teve assegurada, no âmbito de
mencionado procedimento
penal, a possibilidade de consultar os
elementos
probatórios já formalmente documentados nos respectivos autos,
o que descaracterizaria, quanto a tais dados e
informações, o alegado
desconhecimento dos
dados informativos por parte de Carlos Augusto de
Almeida
Ramos.
Impende destacar,
ainda, consoante
informações complementares
prestadas
pela “Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito - Operações Vegas e
Monte Carlo”,
que, “(...) até o presente momento, os
dignos advogados não
demonstraram qualquer disposição efetiva de analisar a
documentação julgada
tão relevante a um simples depoimento a ser prestado
pelo ora paciente”, pois
“(...) apenas dois profissionais compareceram ao Senado
Federal durante toda a
semana que ora se finda, não permanecendo mais que 2 (duas) horas na sala
onde se encontra guardada a documentação” (grifei).
É de assinalar,
por relevante, que se
propiciou, aos ora impetrantes,
mesmo neste
fim de semana (sábado e domingo), amplo
acesso a todos os
elementos
e documentos probatórios existentes em
poder de mencionado
órgão
de investigação parlamentar, não
havendo notícia, contudo,
de que
tenham
eles se utilizado de tal faculdade.
Todas as circunstâncias que venho de referir (constatação, de um
lado,
de que o paciente já teve, há mais de 30 dias, em abril/2012, acesso
às provas contra
ele produzidas nos autos da Ação Penal nº 0009272-
-09.2012.4.01.3500/11ª Vara
Federal de Goiânia e não exercício, de outro,
do
direito de consultar, inclusive neste último fim de semana, o acervo
probatório em
poder da CPMI) levam-me, nesta fase introdutória do
processo
de “habeas corpus”, a desacolher o pleito formulado pelos ora
impetrantes,
eis que a prorrogação de prazo por eles pretendida, se
deferida em
sede meramente cautelar, implicaria
total esgotamento do
objeto
da presente demanda, com a consequente prejudicialidade deste
“writ”
constitucional.
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Nem se diga que
o comparecimento do ora paciente à CPMI em
questão
- agora que já se sabe que teve acesso aos documentos contra
ele
produzidos nos
autos do procedimento penal em curso perante a 11ª
Vara
Federal de Goiânia/GO e que também já lhe foi propiciada ampla
consulta ao
acervo informativo em poder de referido órgão de
investigação
parlamentar - traduziria ofensa, ainda
que potencial, ao seu
“status libertatis”,
pois, como se
sabe, assiste,
a qualquer pessoa regularmente
convocada
para depor perante Comissão Parlamentar de Inquérito, o
direito de se manter em silêncio, que representa direta
consequência
fundada
na prerrogativa constitucional contra a autoincriminação
(RTJ 176/805-806,
Rel. Min. CELSO DE MELLO), sem que o legítimo
exercício
dessa faculdade possa justificar a adoção, contra
tal pessoa, de
qualquer medida
de restrição à sua esfera jurídica (“Nemo
tenetur se
detegere”).
Cumpre registrar,
por oportuno, não obstante em “obiter
dictum”, que
qualquer pessoa
convocada (ou requisitada, como na
espécie) por uma
Comissão
Parlamentar de Inquérito tem o
tríplice dever: (a) de
comparecer,
(b) de responder às
indagações e (c) de dizer
a verdade (RTJ
163/626, 635 -
RTJ 169/511-514,
v.g.), garantindo-se-lhe, no
entanto, como
precedentemente assinalado,
o direito de permanecer em silêncio, como
expressão da
prerrogativa constitucional contra a autoincriminação.
Não custa
relembrar, e reafirmar, uma vez
mais, sempre em
“obiter
dictum”,
que indiciados e, até mesmo, testemunhas (CPC, art. 406, I, c/c
CPP, art. 3º, e Lei nº
1.579/52) dispõem, em nosso
ordenamento jurídico, da
prerrogativa contra
a autoincriminação, consoante tem proclamado a
jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal
(RTJ 172/929-930,
Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RDA
196/197, Rel.
Min.
CELSO DE MELLO - HC 78.814/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
v.g.):
“Não
configura o crime de falso testemunho,
quando a pessoa,
depondo como testemunha, ainda
que compromissada, deixa
de
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HC 113.548 / DF
revelar fatos que
possam incriminá-la.”
(RTJ 163/626,
Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)
Descaracterizada,
portanto, possível situação configuradora de
“periculum in mora”,
não vejo como atender o pedido dos ora
impetrantes,
que pretendem a manutenção da medida liminar
anteriormente
deferida, para que se dispense o paciente, uma vez
mais, da
obrigação
de comparecer, perante a CPMI em questão, no próximo
dia
22/05/2012.
Sendo assim,
em face das razões expostas, além de não
acolher o
pedido
de prorrogação de prazo formulado pelos ora impetrantes,
também indefiro o
pretendido adiamento da sessão da “Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito - Operações Vegas e
Monte Carlo”, designada
para
o próximo dia 22/05/2012, afastado, em
consequência, o obstáculo,
até
agora existente,
ao comparecimento do ora paciente perante
esse órgão de
investigação
legislativa.
Comunique-se,
com urgência, encaminhando-se
cópia da presente
decisão
ao Senhor Presidente da “Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito -
Operações Vegas e Monte Carlo”.
Publique-se.
Brasília,
21 de maio de 2012 (20h00).
Ministro
CELSO DE MELLO
Relator
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